‘Sofisticação vai exigir uma formação interdisciplinar do aluno de direito’
Doutor José Eduardo Faria ministrou aula magna na Unifipa e falou a O Regional sobre os impactos da tecnologia no ensinar e aprender
Foto: Comunicação/FPA - José Eduardo Faria recebeu homenagem pelas mãos do reitor Nelson Jimenes
Por Guilherme Gandini | 27 de agosto, 2023

O curso de Direito do Centro Universitário Padre Albino - Unifipa realizou, na quinta-feira, 24, solenidade em homenagem ao doutor José Eduardo Campos de Oliveira Faria, jurista da Sociologia Jurídica no âmbito nacional, outorgando-lhe o título de professor “Honoris Causa”.

O reconhecimento aconteceu em agradecimento aos serviços prestados por ele, de maneira voluntária, nos meses de maio e junho deste ano, de forma remota, com orientações a docentes e alunos da Unifipa sobre o ensino jurídico frente às mudanças sociais da atualidade.

Com experiência nacional e no exterior, o jurista é responsável pela disciplina Sociologia do Direito da USP desde sua criação, na década de 1980, e pelas disciplinas de Metodologia da Ciência e do Ensino do Direito e Sociologia da Constituição, na pós-graduação da instituição.

Na ocasião, José Eduardo Faria ministrou aula magna na Unifipa, com dois auditórios lotados, tendo sido prestigiado inclusive pelo reitor Nelson Jimenes. Antes, ele concedeu entrevista exclusiva ao jornal O Regional em que fala sobre atualidade, tendências e futuro do direito.

O Regional: Gostaria de começar nosso bate-papo falando dessa sua relação com a Unifipa, do motivo da sua vinda a Catanduva.

Dr. José Eduardo Faria: Essa relação começou a partir de uma consulta que me foi feita no sentido de oferecer sugestões para uma modernização curricular, que é algo muito comum nas universidades. Todas as universidades precisam se adequar a uma evolução tecnológica cada vez mais acelerada no mundo. As profissões estão mudando, estão desaparecendo velhas profissões, estão surgindo novas profissões e as universidades que não tiverem capacidade de identificar as tendências, elas vão ficando para trás. É um imenso prazer estabelecer esse contato com a Unifipa, a convite do professor Luís (Luís Antônio Rossi, coordenador do curso de Direito) e, ao mesmo tempo, a possibilidade da gente trocar ideias. Eu tenho alguma experiência do ponto de vista de consultoria ou de atuação de avaliação do ensino jurídico no Brasil, porque trabalhei, durante algum tempo, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, no Comitê de Direito. Mesma coisa na Fundação de Amparo à Pesquisa, e, ao mesmo tempo, também fui membro da Comissão de Reforma Universitária. Quer dizer, para alguém que é professor universitário, sou decano da Faculdade de Direito da USP, com essa experiência, vir trocar ideias aqui é algo extremamente produtivo, me deixa muito feliz, eu acho que é uma forma de nós ampliarmos o nosso contato.

O Regional: O senhor menciona muito essa questão das mudanças pelas quais estamos passando, a sociedade como um todo. É algo muito rápido, né?

Muito rápido, a sociedade como um todo. Primeiro, isso é muito rápido. segundo, também a economia como um todo, e terceiro lugar, o próprio desenvolvimento científico e tecnológico. Nós estamos vivendo num mundo extremamente acelerado, e essa aceleração tende a continuar e vai levar à necessidade de você reformar estruturalmente os sistemas de ensino.

O Regional: O impacto é no ensino e também na forma como o profissional vai atuar?

Na forma como o profissional vai atuar, na forma como o estudante vai aprender e na forma como a Unifipa vai se relacionar com a comunidade onde ela está situada. Quer dizer, é um problema, é uma dimensão de natureza sistêmica, não envolve apenas a relação aluno-professor, envolve também a comunidade no seu entorno, a região, o perfil socioeconômico da região e o tipo de ensino, o tipo de orientação pedagógica que a Unifipa tem.

O Regional: Já é possível visualizar como será esse profissional do futuro, as carreiras jurídicas como um todo?

As carreiras jurídicas vão ser cada vez mais determinadas por vários motivos. Primeiro, pelo advento da inteligência artificial. A inteligência artificial vai, de alguma maneira, revolucionar a maneira de você produzir determinados argumentos e determinadas peças de defesa e de justificativa. Essa é a primeira questão. A segunda questão é que as demandas que vão ser levadas aos escritórios de advocacia, ao Ministério Público ou ao Judiciário, são demandas que serão cada vez mais sofisticadas. A tendência é que elas sejam cada vez mais sofisticadas. E essa sofisticação vai exigir uma formação interdisciplinar do aluno de direito. Quer dizer, ele vai ter de entender um pouco de economia, ele vai ter de entender um pouco de psicologia, ele vai ter de ter um bom conhecimento de história, da mesma maneira como o professor de história ou aluno de história precisa conhecer um pouco de direito, precisa conhecer de economia, da mesma maneira como o professor de economia precisa entender de direito. Se você olhar a tendência em alguns países desenvolvidos, eles estão fechando os cursos tradicionais e abrindo cursos que são mais ou menos interligados. Um exemplo, há uma universidade americana de Pensilvânia em que ela fechou o curso de direito. Você vai dizer, ela fechou, no momento em que você precisa de novos atores jurídicos? Ela fechou o curso tradicional de direito, mas abriu três cursos de direito. Olha só o paradoxo. Ela fecha um curso convencional e tradicional de direito e cria um curso de direito em medicina, um curso de direito em engenharia, um curso de direito em economia. Quer dizer, ela criou três cursos de direito interagindo com outras áreas de conhecimento. Essa é a tendência.

O Regional: E o Brasil está preparado para isso?

Eu acho que o Brasil está precisando. E a Unifipa e outras universidades estão se preparando, têm consciência disso e estão tomando as iniciativas para se adequarem a essa realidade.

O Regional: Com a pandemia, avançou-se alguns anos com relação à aula online. Isso teve impacto no curso de direito?

Muito impacto. Eu, por exemplo, sou analógico da velha geração, eu completei este ano 50 anos de docência, mas vou dizer uma coisa que me surpreendeu, eu pensei que eu não fosse gostar das aulas virtuais. Eu gostei demais das aulas virtuais, independentemente de ser um professor presencial. E, desde que chegou a pandemia, eu comecei a fazer algumas experiências em alguns cursos virtuais e que deram um excelente resultado, tiveram uma excelente repercussão. Por exemplo, na Escola Superior de Advocacia, aqui de São Paulo, estavam com uma certa ansiosidade em função da pandemia. E fizeram lá uma proposta de fazer uma espécie de aula virtual. Começamos com 41 alunos e, em seis meses, estávamos com 241 alunos. Além disso, os alunos, quando saíram da primeira experiência que eu tive, me pediram, pelo menos, mais duas experiências de temas próximos daquele que eu havia dado, formação do pensamento social brasileiro, direito e desenvolvimento, globalização e direito, ou seja, esses temas foram rendendo a cada dois ou três meses aulas virtuais semanais, de duas a três horas cada aula e, de certo modo, da possibilidade, através do chat, eu responder as perguntas que eles faziam. Então, a experiência foi absolutamente exitosa. Foi interessante para mim e para eles. Foi a primeira vez que eu tive de lidar com essa questão e em muito pouco tempo eu dominei a tecnologia.

O Regional: É possível dar algum conselho para o jovem estudante, que está começando a jornada agora? Existe algum conselho dentro de todo esse cenário que a gente colocou?

Diante da rapidez do desenvolvimento econômico, tecnológico, científico, se eu tiver de dar uma sugestão, são várias sugestões, mas se eu tiver de dar uma sugestão, é que vocês têm, primeiro, de se refinarem intelectualmente. Não aceitar apenas e tão somente aquilo que os professores dizem em classe. Isso é muito importante, é necessário, mas não é suficiente. Neste momento, quem não souber ler, quem não quiser ler, quem não ampliar o seu horizonte de leitura, quem não buscar novas informações, quem não aprender a fazer as perguntas para depois buscar as respostas a partir de leituras passadas, vai ficando fora do mercado. É fundamental que os alunos tenham em mente que o ensino que uma universidade pode dar é apenas a primeira etapa de um processo formativo. Hoje esse processo formativo vai muito além da simples obtenção de um diploma, vai exigir uma atualização permanente. Se você não tiver a capacidade de leitura e de acompanhar o que está acontecendo, você vai sendo sucateado pelo mercado de trabalho. Ou seja, você vai perdendo o seu espaço, vai perdendo o seu investimento na obtenção de um diploma de um curso superior. Hoje isso é um fenômeno de natureza mundial.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.

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