Pesquisadores defendem uso de enzimas na rede de esgoto de Catanduva
Método foi apresentado ao Ministério Público e Saec para remover lodo da ETE
Foto: RAFAEL BELO - Tratamento enzimático proposto para a ETE de Catanduva utiliza produtos naturais atóxicos encontrados no país
Por Guilherme Gandini | 24 de julho, 2022
 

A Superintendência de Água e Esgoto de Catanduva - Saec não deu ouvidos à ciência e manteve o plano de remover de forma física o lodo acumulado nas lagoas da ETE - Estação de Tratamento de Esgoto. Os gestores da autarquia seguem com licitação em andamento para contratar o serviço, apesar de terem recebido como indicação o uso de enzimas catalizadoras para alcançar a mesma finalidade, em processos ambientalmente correto e que até pode gerar receitas.  

O Regional vem acompanhando o desenrolar do processo desde a abertura do edital com valor estimado em R$ 3,2 milhões – que deve dobrar diante do custo com a destinação final do lodo desidratado no aterro sanitário, passando pelas manifestações do Ministério Público, em favor do uso de técnica alternativa com uso de enzimas, e do presidente da Câmara de Vereadores, que chegou a sugerir a revogação da licitação nos moldes propostos.  

Um engenheiro sanitarista de Novo Horizonte, que visitou a aplicação in loco das enzimas em cidades de Minas Gerais, recomendou o tratamento enzimático para Catanduva e, a partir disso, os professores Giovani Salviano Melo e Lino Rodrigues Filho apresentaram o projeto para resolver o problema da ETE em videoconferências com o Ministério Público e diretores da Saec.  

“Há grandes possibilidades de o projeto vir a ser implementado no município de Catanduva e estamos à disposição e confiantes com relação a sua aplicação e os benefícios que serão gerados para a comunidade”, pontuam os docentes, acreditando que a proposta será acatada pela autarquia catanduvense. Juntos, eles concederam entrevista exclusiva ao Jornal O Regional.  

O REGIONAL: O uso de enzimas é inovador, recente, para remoção de lodo em lagoas?   

PESQUISADORES: Os catalizadores biológicos foram descobertos no século XIX, aparentemente por Pasteur, que concluiu que a transformação do açúcar em álcool pela levedura é catalisada por fermentos (enzimas). Desde então até nos dias de hoje, vários tipos de enzimas e aplicações vêm sendo ponto de atenção real nas áreas ambientais, medicina, agronomia, veterinária. Recentemente foi publicado na rede científica que a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul desenvolveu através do professor adjunto Marc Francois Richter um tipo de enzima que decompõe o plástico em menos que um dia. Essas atividades enzimáticas em lagoas apresentam sustentabilidade, evitando produtos químicos (polímeros, sulfatos, polieletrólitros e outros) e a formação de resíduos perigosos (lodos), que são transportados para aterros especiais, gerando novas poluições e custos adicionais para o município. Outro benefício da utilização das enzimas é na saúde ocupacional, onde os funcionários não estão sujeitos a produtos tóxicos de aplicação.  

O REGIONAL: As enzimas já são utilizadas em ETEs do país e do exterior?  

PESQUISADORES: Este procedimento trata-se de trabalho de 15 anos de pesquisa, utilizando produtos naturais atóxicos encontrados no país, sendo de fácil manejo e aplicado há mais ou menos 10 anos de maneira saudável em 4 municípios de Minas gerais (Cachoeira Dourada, Santa Juliana, Monte Alegre de Minas e Prata), e também para mais de 30 projetos industriais. Existem no Brasil vários distribuidores de enzimas, sendo que as sanitárias têm origem da Itália, com distribuição para Estados Unidos e União Europeia, e também a China tem investido em vários tipos de enzimas.    

O REGIONAL: Os senhores vêm apresentando essa metodologia aos municípios?  

PESQUISADORES: Sim. Sempre desenvolvendo as enzimas para os municípios, uma vez que é necessária a análise do efluente, onde será utilizado o substrato do efluente para determinar as enzimas específicas para o município de acordo com os hábitos e vocação local.  

O REGIONAL: Quais as vantagens desse modelo na comparação com a técnica tradicional?   

PESQUISADORES: Nas operações de dragagem e centrifugação, são necessários produtos químicos, adensando o lodo, gerando resíduos perigosos e transferência para um aterro especial, processo que gera riscos ambientais, além de custos elevadíssimos, tanto para o transporte, como para o tratamento do resíduo remanescente. O processo do tratamento enzimático, por sua vez, se destaca pela sua simplicidade e sustentabilidade, pois consiste na fortificação das bactérias existentes, mediante alimentação “vitaminada” (enzimas atóxicas). Essas bactérias vão se alimentar do lodo, gerando gases específicos. Não há nenhuma intervenção química ou risco bacteriológico no processo. Em sistema fechado (anaeróbio) será produzido CH4- metano e água e em sistema aberto (aeróbio) gás carbônico e água. A geração de metano pode propiciar a obtenção pelo município de créditos de carbonos, além de energia ou GNV para atender a demanda da frota municipal. Ou seja, o sistema, além de solucionar a questão ambiental de forma sustentável, propicia retorno econômico, colocando a cidade alinhada às modernas práticas de ASG: Ambiental/Social e Governança. Pelas características do processo de produção das enzimas e os componentes utilizados, a relação custo/benefício é altamente favorável, em relação aos sistemas atualmente utilizados. As enzimas são biodegradáveis e continuam agindo no corpo receptor, quebrando passivos ambientais, ou seja, reduzindo a produção de odores indesejáveis e propiciando receitas substanciais ao município.  

O REGIONAL: Ambientalmente, há outros benefícios do tratamento enzimático?  

PESQUISADORES: As enzimas aplicadas nas redes de esgoto da cidade reduzem tanto os odores indesejáveis, como insetos por competição de cadeia alimentar, além de contribuir com a limpeza da rede de esgoto, evitando entupimentos, reduzindo a carga orgânica no sistema e espumas. As lagoas serão eliminadas concomitantemente. Um dos processos que permite limpeza ideal de baixo custo e a não formação mais de lodos adicionais e, o mais importante, reflete na saúde com redução de atendimento médico na cidade aplicada. Esse tipo de procedimento deve ser aplicado em todo o complexo, rede e ETE, por se tratar de fluxo contínuo.  

O REGIONAL: O projeto apresentado à Saec atende as exigências ambientais?  

PESQUISADORES: A legislação demanda processos rigorosos relativos às causas ambientais. Neste caso, é uma prestação de serviços e não uma produção sistematizada. Portanto, para prestação de serviços utilizamos Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e FISPQ do produto acabado. Esses elementos estão adequados à legislação vigente. A aplicação em efluentes diferentes requer enzimas customizadas, portanto para Catanduva será enzima específica para o município. Outrossim, os projetos são desenvolvidos juntamente com a área de Inovação da Universidade de São Paulo - InovaUSP, que fomenta o uso de tecnologias que visam contribuir com a sustentabilidade do meio ambiente. O suporte científico e as metodologias utilizadas se alinham ao que há de mais moderno no contexto global.   

O REGIONAL: O que faz com que ainda haja resistência à adoção das enzimas?   

PESQUISADORES: Conforme os especialistas de inovação, apenas 16% da comunidade reage favoravelmente às propostas que trazem algo novo. A maior parte, 50%, por desconhecimento e receio às mudanças. Gradualmente o comportamento vai se alterando, pois as barreiras são decorrentes sobretudo ao desconhecimento. As pessoas resistentes a mudanças com o tempo vão identificando que as enzimas e as nano partículas estão dominando as ações da tecnologia.  

O REGIONAL: O uso de enzimas tende a ser a tendência e prevalecer na escolha dos gestores públicos para manutenção das lagoas nos próximos anos?   

PESQUISADORES: Sim. Consideramos que toda ação de saneamento deve ser conduzida para evitar transferência de passivo ambiental para outras regiões, pois as enzimas e as nano partículas têm mudado vários setores. Gostaríamos de ressaltar que a aplicação de enzimas customizadas em efluentes sanitários é o que há de mais avançado em tecnologia e nanotecnologia para saneamento básico. Importante relembrar o moderno conceito de tecnologia: “Tecnologia é gerar benefícios, superior ao estado anterior. Valorizando a comunidade.” 

 

 

Portal da Transparência da Saec não traz detalhes 

A Concorrência Pública nº 04/2022, aberta pela Saec para contratação de empresa especializada para remover, com balsa e desaguamento, o lodo biológico acumulado na ETE, teve sessão inicial agendada para 8 de julho, às 9h30.

Desde a data, porém, nenhuma publicação foi veiculada no Portal da Transparência da autarquia com relação à licitação. No item “Atas e Ofícios”, os documentos anexados referem-se a outro certame – o de perfuração de um poço profundo tubular, o que impediu o acesso da reportagem de O Regional às informações sobre o processo. 

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.

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