Na madrugada do dia 11 de julho de 2019, quatro criminosos entraram na casa em que o empresário Wellington Celli, de 39 anos, morava com a esposa Vanessa Benevenutto Celli e os dois filhos. Ele foi executado na frente da companheira e de seu primogênito, Kauã, na época com 9 anos de idade. A noite trágica que tirou a vida do catanduvense completou 3 anos.
Ex-jogador de futebol, Wellington trabalhava com festas e residia com a família em uma chácara, comprada há pouco mais de 1 ano. No local funcionava também o escritório de sua empresa de eventos. O jovem casal estava envolvido nos cuidados do pequeno Kellington, de apenas 3 meses e meio, e fazia planos de vida e para o futuro. Envelhecer juntos era um deles.
“Ele tomava café pela manhã e olhava para o nada no céu. Va, você não imagina como eu vou deixar essa chácara, dizia. Nós sonhávamos, tínhamos planos. Ele desenhava mentalmente as melhorias que queria fazer. Sonhávamos em ver nossos filhos grandes, formados. Ele comentava que, quando o Kauã começasse a sair, ele ficaria na esquina esperando”, relembra Vanessa.
Quem conheceu Wellington lembra do seu jeito brincalhão. Em casa, além do bom humor, outra marca era o cuidado com os filhos. “Era um pai muito cuidadoso, um provedor espetacular, um paizão de mão cheia. Tínhamos sonhos e planos de vida. Até que um dia tudo foi interrompido.”
Hoje, Vanessa junta as peças do quebra-cabeça da vida e cita fatos que, para ela, mostram que o marido estava, de algum modo e mesmo sem saber, despedindo-se. Cerca de 15 dias antes do fato, ele chamou esposa e o filho. “Venham aprender a montar as festas, porque no dia de amanhã, se eu não estiver mais aqui, continuem com a WFest, não deixem acabar esse sonho.”
Ele também falava muito frequentemente ao filho que ele deveria criar e educar o irmão. “Você que vai criar e educar o Kellington e tudo que o papai te ensinou você vai ensinar para ele”. Vanessa até chegou a questioná-lo sobre isso; ele disse que era para passar responsabilidade.
Na semana dos fatos, Vanessa também sonhou com que estava com o dente podre. Para os antigos, esse seria o prenúncio de que haveria morte. Mas ela não se preocupou com isso.
“Deus me revelou, mas eu não entendi. Na sexta-feira, uma semana antes de tudo, eu estava estendendo a roupa do nenê no varal, olhei para o escritório, senti uma dor no peito, senti uma sensação que iria ficar viúva. Mas bati a mão na cabeça e pensei – cada tonteira que a gente pensa, e não dei importância e nem comentei”, confidencia.
No dia do crime, ela conta que, quando eles estavam tomados pelos assaltantes, Wellington correu para a cozinha. “Acho que ele viu que ia acontecer o pior conosco e pensou: eu corro, eles vêm atrás de mim, se eu morrer pelo menos minha família se salva. Ele deu a vida dele para salvar a nossa. Quando ele correu e eu gritei, na mesma hora senti aquela dor. É muito surreal. Quando vi ele correndo, já sabia que estava vendo pela última vez, lembrei da visão que tive.”
Vanessa e Wellington Celli e o filho mais velho do casal, Kauã
DINHEIRO, OURO E INVEJA
Wellington Celli utilizava corrente, pulseira e anel de ouro. Dias antes dos acontecimentos, Vanessa manifestou ao marido que tinha medo de alguém abordá-lo para roubar os pertences. Falou que, se alguém aparecesse, para ele entregar tudo. Ele disse que morreria, mas não entregaria. “Ele lutou a vida inteira para conquistar um pouquinho, não ia admitir.”
Os itens de ouro talvez tenham chamado a atenção, mas a aquisição de um cofre para guardar uma arma, na visão de Vanessa, criou uma ilusão e deu tons trágicos para a história.
“Na minha opinião, isso tudo aconteceu devido a inveja. Sabe a história do telefone sem fio, você fala de um jeito e chega de outra forma? Nesse mesmo dia que a gente estava conversando sobre possível roubo da corrente, ele estava me ensinando a mexer num revólver. Ele havia comprado um cofre para guardar a arma, por medo do Kauã mexer. Só que esse cofre ficou em cima da mesa por bastante tempo e várias pessoas entraram e nós nem nos atentamos a isso. Possivelmente, penso eu, alguém viu esse cofre e imaginou que deveríamos ter dinheiro e ouro, e deve ter chegado isso de outra forma para as pessoas lá fora”, reflete.
A constatação foi feita inclusive durante as investigações policiais, que teriam mostrado que os bandidos chegaram ao imóvel acreditando que haveria dinheiro e ouro. “Vieram buscar esse dinheiro e ouro que não existia. E isso acabou levando o principal: a vida dele.”
RECONSTRUIR A VIDA
A rapidez dos fatos não deixou tempo nem para Vanessa vivenciar o luto pela sua perda. A jornalista saiu da chácara em que viviam naquela mesma noite e precisou tomar decisões.
“O acontecimento foi tão brusco que dormi com um sonho e acordei no meio de um pesadelo. Só que é um pesadelo real. Não fiquei mais na chácara. Eu não tinha condições emocionais para ficar no mesmo local que vivenciei aquela noite de terror ao lado do meu filho de 9 anos, que estava ao meu lado o tempo todo e assistiu a tudo comigo, inclusive viu o pai caído no chão, baleado e ensanguentado. Em palavras eu não consigo resumir tamanho sentimento”, lamenta.
Ela viveu com os filhos durante pouco mais de 1 ano na casa dos sogros e, hoje, voltou a morar apenas com as crianças. O resultado da tragédia deixou marcas psicológicas graves nela e no filho. “Ele dormiu o ano todo no colchão no chão nos pés da minha cama. Dizia que se alguém abrisse a janela pra atirar, não daria tempo de entrar debaixo da cama para se esconder.”
Há três meses, ao ouvir um rojão, Kauã se jogou ao chão achando que fosse um tiro. O trauma fez com que ambos passassem a tomar antidepressivos e ter acompanhamento psicológico. Nada foi oferecido pelo Estado, foi tudo custeado por conta própria.
O filho mais novo, Kellington, hoje com 3 anos, não teve vivência com o pai, então o conheceu por fotos e vídeos. “Um momento marcante pra mim foi quando ele perguntou por que o papai não falava com ele, que ele queria ir onde o papai estava. Tive que pedir apoio psicológico porque não sabia responder. Esses dias ele falou que o coraçãozinho dele estava doendo porque o papai morava ali e o papai morreu. São situações que nunca na vida a gente imaginou passar, mas tenho que estar pronta para ensinar da melhor forma para ele.”
FORTE O TEMPO TODO
Na semana dos fatos, a empresa do marido teria cinco festas e Vanessa assumiu a agenda, com a ajuda dos freelancers que estavam contratados. “Eu fui aprendendo a lidar com tudo. Não foi fácil, não tem sido fácil”, reconhece, citando as dificuldades causadas pela pandemia.
“Acho que agora que a ficha começou a cair que ele não volta mais e tenho que dar continuidade a tudo. Passei a provedora do lar, a ser pai, o que não é fácil, porque tem momentos que a presença do pai é primordial, principalmente na educação dos filhos. Tenho que ser do lar, empresária, mãe, pai, amiga, tenho que ser a pessoa que está forte o tempo todo.”
Passados 3 anos, Vanessa considera que não reconstruiu sua vida. “Na verdade ela tomou um rumo inesperado. Acho que essa lacuna sempre vai existir. Acredito que a presença do pai nunca será substituída por ninguém. Aquele sonho que tive no início de escolher com quem casar, formei minha família, imaginava viver até ter os netos, não tive tempo de pensar em mim, hoje a minha prioridade são os meus filhos, trabalhar e dar o melhor para eles dentro do possível.”
Sobre o futuro, ela diz que o tempo vai se encarregar com o resto. “Acredito que tudo tem a hora e momento certo. O amanhã a Deus pertence. Hoje meu sentimento é de um grande aprendizado, por pior que tenha sido, e de superação, porque tive que me superar, tomar as rédeas de muita coisa e tenho que estar bem para todos e para eles. E Deus cuida de mim.”
TRÊS FORAGIDOS
As imagens das câmeras de segurança da chácara mostraram quatro pessoas participando do crime. Mas a polícia sabe que o plano envolveu pelo menos o dobro. A quadrilha teria se articulado com criminosos de outros locais. Pelo menos cinco foram presos, mas um acabou liberado. Três estão foragidos, um deles não totalmente identificado – conhecido apenas como Irmão Lucas. Os outros procurados são Emerson de Oliveira e Renan Rodrigues Teodoro.
HOMENAGEM
Uma das ruas do Bosque das Laranjeiras, em Catanduva, recebeu o nome de Wellington Celli. A homenagem foi proposta pelo vereador e presidente da Câmara, Gleison Begalli. A lei foi aprovada pela Casa e sancionada pelo prefeito Padre Osvaldo no ano passado.
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