O 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data que celebra anualmente, desde 2004, a existência e a resistência de transexuais, transgêneros e travestis, bem como do movimento LGBTQIAP+ como um todo. Essas pessoas, historicamente, têm seus direitos negados e lutam todos os dias pela afirmação da diversidade de identidade de gênero no país.
“Não queremos privilégios, mas respeito para ser quem somos”, é a forma sucinta e feliz com que a catanduvense Leticia Close, mulher trans de 36 anos e residente no Reino Unido desde 2019, defende a união entre todas as pessoas, independentemente de classe ou gênero, na busca por uma sociedade mais justa e respeitosa, de um país e de um mundo melhor.
A convite de O Regional, Leticia falou sobre sua vida, a descoberta da sexualidade na adolescência e a primeira vez que se vestiu de mulher, aceitação familiar, transfobia, preconceito na Europa e a importância do engajamento de todas as pessoas em favor da paz e da liberdade. “A sociedade não tem que ‘aceitar’, porque cada um manda no seu nariz”, diz.
O Regional: Quando você se identificou como uma pessoa trans? Como foi esse processo consigo mesma, com a família e amigos?
Letícia Close: Desde jovem sempre fui afeminada, de usar a mão na cintura, colocar a toalha na cabeça e o salto alto da minha mãe. Sempre tive interesse, atração pelo universo feminino, e me vi um ser humano feminino. É assim que me descrevo, um ser humano feminino, nem homem e nem mulher. O start foi aos 13 anos quando descobri minha sexualidade, comecei a entender para além da minha identidade de gênero, que era mais para feminina e descobri minha atração pelo corpo masculino. Dos 13 aos 18 anos, foi um autoconhecimento. Com os 19 anos foi a primeira vez que me travesti como mulher, como figura feminina, e fiquei realizada. Estava praticamente completa, finalmente me sentia eu mesma. Dali para frente, graças a Deus, foi só sucesso, pois a aceitação da minha mãe sempre foi muito boa.
O Regional: Era um momento onde a aceitação da sociedade era mais difícil do que é hoje?
A sociedade não tem que aceitar, porque cada um manda no seu nariz. A sociedade não tem que aceitar absolutamente nada, isso é um problema meu. Mas acho que hoje a sociedade tem mais maneiras de cuidar da vida do outro, opinar, e a política está aí para provar isso, as coisas não são veladas, acho que hoje é mais difícil, que vivíamos mais simples antigamente. Hoje por mais que tenhamos mais direitos, que existam ONGs e órgãos para nos defender, está mais difícil para o público LBGT. As pessoas estão mais egoístas, acham que queremos privilégios e não apenas o direito de viver em paz.
O Regional: Você já enfrentou transfobia?
Foram poucas vezes, mas uma delas me marcou muito. Tentei me inscrever em uma das academias mais famosas de Catanduva. Lá dizia que mulheres pagariam metade do preço. Quando o gerente viu que era eu, uma mulher trans, tentou me barrar, colocou empecilhos, disse que meu RG não tinha o nome feminino, me ofereceu o banheiro de pessoa com deficiência. Mesmo assim aceitei fazer o pagamento de R$ 150 a mensalidade só para mostrar que o dinheiro não era o problema, mas sim a atitude que ele teve de não respeitar a minha identidade de gênero. Durante um mês malhei nessa academia e no futuro tivemos problemas judiciais e, depois de anos, com ele arrependido, acabamos fechando um acordo.
O Regional: É possível comparar o preconceito existente no Brasil com a realidade européia?
Não é pré-conceito. As pessoas já têm um conceito formado sobre o que pensam sobre a homossexualidade e as mulheres trans e homens gays. Sabem que decidiram viver suas próprias vidas sem ligar para o outro. Acho que algumas pessoas vivem refens dos mandamentos da Bíblia nessa questão da homossexualidade, mas não cumprem outros. Na Europa existe preconceito também, menor e mais velado. As pessoas não te zoam, não criticam, não apontam na rua. No Brasil é totalmente liberado, escrachado. Inúmeras trans escolheram a Itália para morar porque lá elas podem ir ao restaurante e serem tratadas igual a todos.
O Regional: Qual importância você dá para esta data, Dia da Visibilidade Trans?
A data é para dizer que estamos aqui, que aqui é nosso lugar, existimos e somos importantes, temos sentimentos, fazemos diferença no mundo, erramos e contribuímos para uma sociedade e um mundo melhor. Temos que ter sim um dia para que as pessoas lembrem que precisamos que todos se unam conosco para melhorar a nossa vida. Não queremos privilégios, mas como mulheres trans, consideradas mulheres diferentes, precisamos que as pessoas entendam que nós não queremos lugares de outras mulheres, apenas o direito de ir e vir sem sermos agredidas e mortas. Essa data significa união, unir forças para ajudar seres humanos acima de tudo.
O Regional: Qual o caminho para termos uma sociedade mais respeitosa quanto às questões de gênero?
As pessoas héteros têm que ser participativas, respeitosas, darmos as mãos pois somos todos irmãos. É assim que eu penso. O que dói em mim, doí em qualquer outro. Se não houver união, não vai haver uma sociedade boa e respeito com as novas gerações, afinal, as gerações anteriores foram muito importantes, sofreram todos os tipos de agressões e julgamentos apenas por ser quem elas eram. Então é primordial que nós, da atual geração, participemos. Não queremos privilégios, queremos respeito para ser quem somos. Precisamos unir forças, não podemos separar nem classes, nem gêneros. Temos que nos unir e sermos exemplos.
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