Foi por volta dos 11 anos de idade que José Alaor Gomes, 46, morador de Novais, acampou pela primeira vez em meio às matas da região. Naquela época, as histórias contadas pelos “mateiros” - apelido dado a exploradores de matas e florestas -, sertanejos e pescadores já o vislumbravam. O amor pela natureza e a proximidade com o verde se transformaram em estilo de vida.
“Desde menino eu acompanhava esses pescadores no rio da Onça. Eu era um menino que às vezes fugia da aula para ir para o rio da Onça. Então isso tudo fez com que a gente tivesse essa ligação maior com a natureza, com os bichos, com o campo”, explica o ambientalista.
Com o passar dos anos, ele também se tornou um contador de histórias, seguindo os passos de seus antecessores. “Eu contava o que eu vivia, o que via, mas as pessoas duvidavam, até faziam piada, falavam que era história de pescador”, lamenta. Daí surgiu a vontade de compartilhar essa realidade - e amor pela natureza - para provar para os outros que tudo isso existe.
Alaor então pediu uma câmera fotográfica emprestada a uma prima. Ele não sabia, mas surgiria ali uma nova paixão, já que ele nunca mais parou de registrar imagens das matas que percorre.
“Teve um fato que eu tinha um cachorro pequeno, estava em uma enchente muito grande no rio e fui atacado por uma sucuri. Ela, na verdade, não queria me atacar, mas sim o cachorro. E naquele dia alguém fotografou esse momento em que salvei o cachorro”, relembra.
O episódio, que também parece história de pescador, mas faz parte das experiências de vida do mateiro, serviu para convencê-lo de que a câmera faria toda a diferença na sua rotina.
“Ficava pedindo a câmera para essa prima. Ela tinha uma câmera simples, de filme, e era difícil, pois eu trabalhava na roça e precisava levar os filmes para revelar em Catanduva, não sabia nem tirar o filme certo, então estragava muitos filmes pois não tomava cuidado com a luz”, conta.
A primeira câmera semiprofissional da Sony foi dada por uma professora, que notou a grande paixão do jovem sertanejo. Ela notou o gosto pela natureza, as andanças pelo meio do mato. “Daquela câmera pra cá, sempre procurei comprar outra e outra, tomei gosto pela coisa.”
Apesar das milhares de fotos de cenas da natureza – incluindo flagrantes raros, como o da onça parda - Alaor diz que nunca conseguiu transformar o hobby em profissão, em remuneração. “Eu passava meses economizando pra comprar uma lente nova para a câmera. É tudo por amor, por devoção, até um sacrifício para registrar tudo isso e mostrar ao mundo o que eu vejo.”
O mateiro diz que o objetivo é conscientizar que ainda há muito a se preservar da fauna e flora da região. “Nada está acabado como muita gente diz, a vida sempre encontra um meio e várias espécies que as pessoas não acreditam que ainda existem na região eu tenho registrado com minhas lentes para mostrar que ainda há grande diversidade em nosso ecossistema.”
Outro destaque de suas fotos, frisa Alaor, são os locais que estão a 5 minutos da cidade e são desconhecidos para a maioria das pessoas. “Posto nas minhas redes sociais e as pessoas acham que é outro lugar, algum lugar com mais natureza, e na verdade está bem aqui do lado.”
A busca por novos ambientes e espécies levou o mateiro até Palestina, no distrito de Duplo Céu; e ao rio Santa Bárbara, um braço do Tietê, entre Zacarias e Buritama; além de outros pontos da região. “Tenho sonho de conhecer novos lugares, como Fernando de Noronha, o Pantanal, a Amazônia, mas minha vida é simples, sou interiorano, nem mesmo o mar eu conheço.”
AMOR QUE TRANSBORDA
O amor pelas matas da região transborda nas falas de José Alaor durante toda a entrevista. “Se eu pudesse, eu viveria do rio da Onça, respirava o rio da Onça, moraria lá. É o meu rio, tenho vontade de proteger e cuidar. Se eu pudesse, viveria somente da natureza. Esse é meu grande sonho, viver pela natureza. Doaria a minha vida em prol dessa causa”, confidencia.
Não há um ponto sequer do ribeirão que José Alaor não conheça. “Fui conhecer a nascente, o final, as extensões, as cidades, os problemas, vi a transformação de nossa região, que era rica em água e hoje está pobre. Sou um matuto que viveu tudo isso, que conhece os rios, o Turvo, o São Domingos, uma testemunha da perda dos mananciais de água que já não existem mais.”
Além de fotógrafo e ambientalista, o novaense é, também, afixionado pelas informações sobre o clima e profundo conhecedor das mudanças climáticas no Noroeste Paulista, denunciando quando preciso. “Falo sempre do que vi e vive. Dos animais que conheci nas matas e hoje já não encontro mais, dos grandes mananciais que eram criadouros de peixes e desapareceram.”
É POSSÍVEL RECUPERAR
José Alaor afirma que é possível recuperar os rios e matas da região. “Hoje está se acabando, mas eu acredito em uma recuperação, numa conscientização das pessoas, que elas vão ver a importância real desses mananciais de água e vão cuidar melhor para que isso não acabe. Cada um fazendo sua parte, cuidando das matas ciliares de todos os os rios da nossa região.”
Enquanto isso não acontece, ele diz assistir a desmatamentos e envenenamento de árvores em áreas de cultivo. “O agronegócio não precisa mais desmatar um palmo de terra ou cortar um fiapo de capim para ser sustentável e lucrativo. O homem tem que se conscientizar e usar melhor as áreas que têm. Agronegócio e meio ambiente precisam andar juntos.”
O ambientalista reforça que o cidadão comum deve fazer a sua parte, defender políticas de defesa do meio ambiente, conscientizar e multiplicar as informações ambientais, educar seus filhos para amar a natureza, não poluir, fazer o descarte correto do lixo, inclusive os eletrônicos. “Sonho, um dia, fazer um programa de reflorestamento e de recuperação de nascentes.”
‘A foto da onça parda é meu diploma’
Amante da natureza, José Alaor Gomes diz se orgulhar de todas as fotos que fez, e que vê importância em todas as espécies. Mas reconhece que, do seu portifólio, a foto da onça parda, tida como o fantasma da floresta, foi a mais marcante.
O mateiro diz que, diante do surgimento de novos indivíduos na fauna da região, como o porco javali, e o aumento das capivaras, a onça parda vem se proliferando de forma acentuada. “Aqui ela está no topo da cadeira alimentar, ou seja, não tem nenhum outro bicho que ofereça perigo.”
Apesar disso, pondera Alaor, é um animal muito difícli de se registrar pessoalmente, sem uso de câmeras remotas ou infravermelho. “Como a presença dela na reserva do rio da Onça é constante, eu vinha acompanhando rastros, fezes, vestígios, animais abatidos por ela. Foram dois anos e meio de dedicação até que eu consegui fazer a imagem dela pessoalmente”, conta.
José Alaor afirma a foto se tornou sua minha credencial no mundo animal. “Olhei para mim mesmo, para a minha trajetória, dessas andanças pelas matas e rios, e vi que eu era um cara que podia bater no peito e falar: eu faço o registro da vida animal. Foi muito importante pra mim essa foto como uma realização pessoal. Para mim, essa foto é meu diploma.”
Foto: Arquivo pessoal
Autor