Grupos de Catanduva mantêm cultura do RPG e estimulam adesão dos mais jovens
Projeto Superno, surgido na Dell’arte, apresenta o jogo às novas gerações com sessões aos domingos no Sesc Catanduva
Foto: DIVULGAÇÃO - Muitas mesas de RPG utilizam tabuleiro, mapas e miniaturas dos locais descritos, mas em outras ocorre apenas a descrição, sem qualquer recurso físico
Por Guilherme Gandini | 04 de julho, 2022
 

Londres, 1914. A cidade está coberta por uma leve neblina, uma noite fria e muito úmida. Você entra no salão e, mesmo com a noite fria, ninguém parece estar vestindo blusa ou cachecol. O salão está perfumado demais para a idade que você sugere das cortinas e móveis. Ao centro, uma mesa, mais simples do que os outros móveis, onde todos estão sentados. Eles conversam baixo e cada um tem um copo de drink diferente, mas aparentemente todos os copos estão intocados. Você se aproxima e se senta. Ao se sentar, todos param e olham para você. É a sua vez.  

A descrição é de Vinícius Spina, o Vine, 31 anos, formado em Música, abrindo um dos jogos de RPG que ele narra dentro do projeto Superno, iniciativa criada dentro do Coletivo Dell’arte com intuito de apresentar aos mais novos a cultura do RPG, o Role-Playing Game. Em tradução livre, seria algo como “Jogo de Interpretação” ou “Jogo de Interpretação de Personagens”. 

A atividade se desenvolveu na antiga sede da Dell’arte, no bairro Nosso Teto, até ser abraçada pelo Sesc Catanduva, onde as sessões de RPG são realizadas nas tardes de domingo, das 13h às 17h. O acesso é livre e gratuito para qualquer interessado, sem restrição de idade. No local há pelo menos três mesas de RPG que, além do Vine, têm como narradores Caio José Salvador Patané, 29, o Kail, formado em História, Túllio Garcia de Castro Meira, 31, conhecido por Phak, formado em Ciências Sociais, e o gestor público Eduardo Cypriano, 33, o Cypra. 

“A ideia do projeto é atrair pessoas novas, apresentar o que é o RPG como jogadores para eles entenderem que a história não é feita pelo narrador, mas por todos os participantes. E, posteriormente, os que tiverem interesses, poderão criar narradores e mesas independentes, para que um dia eles passem essa cultura adiante, como fizeram conosco”, explica Vine.  

A proposta tem dado resultado: aos poucos novos adeptos vão surgindo, em sua maioria jovens curiosos por terem visto sobre o RPG na internet ou estimulados pela série Stranger Things, da Netflix, em que alguns dos protagonistas são afixionados pelo Dungeons & Dragons (D&D), o precursor – modelo criado em 1971, nos Estados Unidos, inicialmente como The Fantasy Game.  

A história acontece semanalmente, como uma série – a cada domingo é um episódio. “É um jogo, é lúdico, mas também uma arte, uma forma de construção de história ludonarrativa, não é uma história linear. Ela é guiada pelo narrador, que mostra o contexto, pelas ações dos protagonistas, que guiam a história tanto quanto o narrador, e pelas competências dos personagens, guiadas pelos dados – onde entra um pouco de sorte, tipo a nossa vida. Então muitas vezes a história sai dos trilhos, tanto do narrador quanto das personagens, pois os dados têm seus momentos.”  

A história final, reforça, é tudo o que acontece, que não está no controle singular de nenhum dos participantes, é uma história criada por vários autores. “Então não é exclusivamente um jogo, é também uma forma de contação de histórias, prática de interpretação de personagem, uma arte interativa”, completa Vine, que também conduz mesas particulares fora do Sesc, com grupos de amigos – um dos grupos se reúne nas manhãs de domingo, no Conjunto Esportivo Anuar Pachá.  

Atualmente, no Sesc, está sendo narrado o D&D, em sua 5ª edição, e uma mesa com jogo do Mundo das Trevas, que é um pouco mais “maduro”. Tem sessões que seguem o Chronicles of the Darkness. Provavelmente surgirá uma mesa de Vampiro, a Máscara, um clássico muito popular no meio. “Mas por enquanto estamos com jogadores jovens demais”, avalia.  

Os monitores fazem reuniões mensais sobre qual conteúdo será abordado nos jogos. Os primeiros temas foram brasileiros, com o D&D adaptado para um cenário steampunk de pós-apocalipse no Brasil,. “Abordamos crise de combustível, falta de energia, tudo estava muito caro, escassez de água, então trabalhamos corrupção em um cenário de fantasia, além de ética e civilidade.” 

Muitas mesas de RPG utilizam tabuleiro, mapas e miniaturas dos locais descritos, mas em outras ocorre apenas a descrição, sem qualquer recurso físico – valorizando a interpretação e o debate de temas. Os rolar de dados é outra marca do sistema e eles podem ter até 100 lados. 

JOGO NERD 

No Brasil, o RPG ganhou a alcunha, nas décadas de 80 e 90, de ser um jogo para o público “nerd” e, sobretudo, para meninos. O preconceito caiu aos poucos e as meninas entraram nas mesas. Também há participantes que atuam em áreas diversas, da área das artes, do esporte, direito, engenharia. “Se você gosta de qualquer cultura como cinema, série, livro, teatro, provavelmente vai se sentir confortável jogando RPG em um cenário de fantasia”, convida Vine. 

EVOLUÇÃO 

A fama do Dungeons & Dragons é tão grande que, para muitas pessoas, ele resumiria o RPG, mas o jogo evoluiu ao longo do tempo, com o lançamento de novas edições e o surgimento de outros sistemas. “Hoje vários temas mais modernos envolvem sanidade, que você (o personagem) pode perder dependendo das suas escolhas”, pondera, ainda que o carro-chefe continue sendo o jogo repleto por guerreiros, castelos e dragões, além do Gurps e o Mundo das Trevas. 

 

Jogo tem grupos de uma vida toda 

Rodrigo Cornaciom, 33 anos, publicitário, teve seu primeiro contato com o RPG na adolescência, por volta dos anos 2000, no formato digital. Cinco anos depois, conheceu o formato de mesa. “Entrei em meu primeiro grupo de RPG, mesmo ainda sem entender o infinito de possibilidade, sistemas e mecânica do jogo, me aventurei, me encontrei e me encantei cada vez mais.”  

Ele conta que, na época, fazer parte de um grupo de RPG, além da diversão, foi importante para que pudesse, por meio das narrações, histórias, interpretações e convívio em grupo, lidar com questões que tinha certa dificuldade na adolescência, como timidez e insegurança. 

O grupo que Rodrigo integra é de pessoas que jogam há longa data, tal como ele próprio, que foram se transformando com a chegada da “vida adulta”. Algumas pessoas entraram, outras saíram, mas o jogo prosseguiu. Eles adaptaram-se até à pandemia, recorrendo ao digital.  

“Vejo o jogo e os grupos muito forte na cidade até hoje. Por certo período, um pouco esquecido, mais intimista, mas aos poucos ainda está alcançando as novas e as mais antigas gerações. E isso é fascinante. Um ‘simples jogo’ que tem muito a oferecer, e que se fortalece a cada dia.” 

 

RPG faz novas paixões a cada dia 

Larissa Redigolo Corrêa, 14 anos, conheceu o RPG com a prima, jogando on-line durante a pandemia. Depois, aderiu aos jogos presenciais na Dell’arte e, hoje, participa de grupos particulares. “O rpg me ajudou a fazer amigos e a me soltar um mais um pouco. Foi como uma salvação depois da pandemia, que foi um momento difícil para todos nós, tenho certeza que ele pode ajudar outras pessoas também a se soltarem e terem a oportunidade de conhecerem pessoas incríveis”, enaltece a adolescente, que considera a criação de personagens e o fato de “dar vida a eles” uma forma de expressão. “Toda semana anseio pela chegada do domingo!”

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.

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