O catanduvense Julinho Ramos esteve presente em dois compromissos importantes do presidente Lula (PT) nos últimos dias. Ele foi um dos convidados da cerimônia de aniversário do presidente da Indonésia, no Palácio Presidencial, e esteve na missão brasileira na Malásia, onde o presidente brasileiro se encontrou com Donald Trump, fato que repercutiu mundialmente.
Sua jornada internacional teve início em outubro de 2023, ao assumir o cargo de secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, passando a atuar ao lado do secretário Roberto Perosa. Depois, veio a transição para a Abiec - Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes, como diretor de Assuntos Estratégicos.
Foi uma guinada na trajetória de Julinho Ramos, que entrou na vida política como vereador em Catanduva, em 2013, assumindo posteriormente cargos na área de Educação no governo estadual e a função de secretário-geral de Administração da Assembleia Legislativa de São Paulo. Ao jornal O Regional, entre uma viagem e outra, ele concedeu entrevista sobre essa nova fase da vida.
O Regional: Você atuou no Ministério da Agricultura e agora representa os exportadores de carne pela Abiec. Fale sobre essa transição.
Julinho Ramos: Foi uma fase muito importante no Ministério, um período em que o Brasil se reposicionou perante o mundo, retomando as boas relações diplomáticas e ampliando sua presença internacional. Foram mais de 300 mercados abertos em menos de dois anos, mais de 50 países visitados e, apenas em 2024, estive 202 dias fora do país. Esse trabalho se traduziu em representatividade, mas também em espaço geopolítico, cultural, comercial e agropecuário. O Brasil se tornou um grande player global na segurança alimentar, soube aproveitar o momento e abrir novos mercados, criando fluxos comerciais e gerando emprego e renda. Essa transição para a Abiec, que representa 98% das exportações de carne bovina brasileira, foi natural. Hoje, sigo atuando pelo setor, que mostra ao mundo o que o Brasil faz de melhor, produzindo com eficiência, sustentabilidade e sem comprometer o mercado interno, já que 70% da nossa produção permanece no país.
O Regional: Sua experiência no governo o preparou para os desafios de negociação e articulação internacional que você enfrenta hoje?
Com certeza. As missões internacionais ao lado de ministros, governadores e representantes do governo abriram muitas portas. Conhecer contrapartes mundo afora hoje facilita reencontros e negociações sobre a carne bovina. Foi uma experiência incrível. Recentemente, estive na FAO, organismo da ONU, apresentando a produção sustentável brasileira, produzindo mais sem desmatamento, com integração entre lavoura, pecuária e floresta. Poder falar sobre isso num fórum global é motivo de orgulho e um reflexo dessa trajetória. Durante o período no governo, também liderei o Grupo de Agricultura do Brasil no Brics, na Rússia, e participei de reuniões ministeriais da Organização Mundial do Comércio, em Abu Dhabi, entre outras missões marcantes.
O Regional: Recentemente você integrou missão na Indonésia e Malásia, inclusive esteve ao lado do presidente Lula e presenciou o encontro dele com Donald Trump. Como foi isso?
Foi um momento histórico. As relações entre Brasil e Estados Unidos sempre foram importantes e precisam continuar, já que os EUA são o segundo maior mercado para a carne bovina brasileira. Estar ao lado do presidente Lula na Malásia, após 30 anos sem uma visita presidencial ao país, foi simbólico. A Malásia integra a Asean, um dos blocos mais promissores do mundo, onde estão as economias que mais crescem. Para se ter ideia, o Goldman Sachs projeta a Indonésia como a quarta economia global nas próximas décadas. Viver isso, ver a história acontecer diante dos olhos, é algo que quero um dia contar ao meu filho. Não só essa, mas tantas outras.
O Regional: Você já integrou outras missões internacionais ao lado do presidente Lula?
Sim. Enquanto estava no governo, acompanhei o presidente em missões estratégicas, como a visita à China, principal parceiro comercial do Brasil. Em 2024, pela primeira vez na história, 38 plantas frigoríficas brasileiras foram habilitadas para exportar à China no mesmo dia. Tive a oportunidade de acompanhar o ministro Carlos Fávaro ao gabinete do presidente Lula, em Brasília, para levar pessoalmente o comunicado do governo chinês. São momentos que marcam a vida e a carreira, e agora, já na iniciativa privada, sigo com a Abiec participando de agendas como essa última, na Indonésia, Malásia e China.
O Regional: Essas missões têm consequências imediatas aos exportadores de carne?
As missões têm efeitos concretos e diretos. A Abiec atua para ampliar o acesso a mercados, fortalecer o relacionamento com importadores e gerar oportunidades para seus associados. Cerca de 30% da carne produzida no Brasil é exportada, e boa parte corresponde a cortes e produtos que não fazem parte do consumo cotidiano dos brasileiros, como miúdos e dianteiros. Essas exportações não comprometem o mercado interno, pelo contrário, agregam valor a produtos que antes tinham menor relevância comercial, gerando receita, empregos e reduzindo desigualdades. Nosso setor movimenta cerca de sete milhões de empregos diretos e indiretos.
O Regional: Sua rotina é composta basicamente por viagens internacionais. Como tem sido essa experiência?
É uma experiência intensa e gratificante. Em 2024, foram 202 dias fora do país, muitas vezes com viagens seguidas, de país em país. Neste momento, por exemplo, falo de Pequim, indo amanhã para Zhengzhou e depois para Xangai. É cansativo, mas é um privilégio viver algo que poucos têm a oportunidade de experimentar. As missões são, em sua maioria, comerciais. Chegamos muitas vezes de madrugada e já começamos reuniões pela manhã. Mesmo assim, é impossível não absorver a cultura local, da forma de cumprimentar ao jeito de negociar, da gastronomia à rotina das pessoas. Tudo isso enriquece pessoal e profissionalmente.
O Regional: Somando o período no ministério e na Abiec, em quantos países você já esteve?
Foram mais de 50 países visitados, entre agendas oficiais e missões institucionais. Cada um deles com aprendizados distintos, desde os grandes centros econômicos até as nações emergentes que despontam como futuros parceiros estratégicos do Brasil.
O Regional: Dá tempo de conhecer a cultura local? O que isso tem agregado a você?
É claro que o foco é o trabalho, mas é impossível não vivenciar a cultura local. Conhecer as pessoas, a culinária, os costumes, a forma de se relacionar, tudo isso amplia nossa visão de mundo. Cada país traz uma lição diferente e me ajuda a compreender melhor como o Brasil é visto lá fora e o quanto nossa carne é respeitada.
O Regional: Como lidar com as responsabilidades desses cargos com a distância da família? Você administra bem isso?
A distância é o lado mais difícil. A família sente, e eu também. Sou muito grato por ter em casa quem segura as pontas. Tento equilibrar ao máximo, quando estou em casa procuro estar presente de corpo e alma. A tecnologia ajuda a manter o contato diário, mas nada substitui a convivência. Mesmo assim, encaro tudo isso como uma oportunidade única, um coroamento profissional.
O Regional: Você tem acompanhado as notícias de Catanduva, o cenário político local?
Sim, continuo morando em Catanduva e acompanhando tudo de perto. Acredito que a cidade precisa evoluir em vários aspectos e redescobrir seu potencial. Temos vocação para ser referência regional, principalmente nas áreas de saúde e serviços, mas ainda usamos mal essa força. Catanduva precisa de uma mentalidade política mais ousada, de líderes que queiram inovar, arriscar e pensar fora da caixa. Se quisermos mudar a realidade e gerar mais oportunidades, precisamos fazer diferente, com responsabilidade, planejamento e confiança. A cidade tem muito potencial, e eu continuo acreditando nela e nas pessoas que querem o melhor para nossa terra.
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