Catanduva tem ‘homem do tempo’ que produz conteúdo nas redes sociais
Davi Moura é meteorologista e doutor em microfísica de nuvens e química da atmosfera; na internet, ele fala sobre o clima e eventos extremos
Foto: ARQUIVO PESSOAL
Por Guilherme Gandini | 16 de outubro, 2022

Foi para unir o gosto pelas ciências exatas e da Terra e pela linguagem de programação que Davi Moura, de 30 anos e natural de Maceió-AL, escolheu o curso de meteorologia ao prestar vestibular na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ele é casado com a catanduvense Maria Clara F. C. de Moura, criadora de conteúdo digital, atividade que ele também desenvolve hoje em dia.

“Antes do término do curso, eu já tinha em mente que queria continuar na pós graduação. Consegui a aprovação em todas as seleções e tive a oportunidade de escolher vir para São Paulo no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Antes de finalizar o mestrado, tentei uma bolsa para o doutorado também no Inpe e já segui por aqui”, conta Davi sobre sua formação.

No doutorado, ele desenvolveu parte de sua pesquisa na Alemanha, no Instituto Max Planck. Quando retornou ao Brasil, casou-se e se fixou em Catanduva. Hoje, é doutor em microfísica de nuvens e química da atmosfera. “Trabalho com micropartículas e moléculas dentro das nuvens para descobrir como elas influenciam as simulações dos modelos numéricos no nosso planeta.”

Apaixonado pela profissão que escolheu, Davi afirma que a meteorologia é fundamental para a sociedade moderna. “Transporte, produção agrícola e pecuária, construção civil, logística, saúde e até mesmo a estratégia em guerras, tudo depende das condições do tempo e do clima. Acho que essa mistura de possibilidades me fascina”, ressalta.

Ele diz que, na maior parte da Europa, a meteorologia é levada mais a sério do que na terras brasileiras. “Esse comportamento da sociedade eleva a valorização da profissão por lá e a remuneração se torna extremamente alta”, diz. No Brasil, a profissão tem remuneração determinada pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) – que Davi considera boa.

“Apesar da remuneração, infelizmente ainda há mitos a serem quebrados, o que gera um desinteresse da maior parte da população brasileira com essa área. Até hoje, produtores rurais familiares perdem hectares de plantações no centro-sul do Brasil por não contratarem um simples serviço de alerta de geadas. Isso acaba impactando até na economia do país”, lamenta.

Em Catanduva, ele diz que há a possibilidade de fornecer consultorias meteorológicas justamente para o agronegócio, que é muito forte na região. “Os produtores rurais têm necessidade de boletins trimestrais e alertas meteorológicos, além de previsões específicas, como por exemplo, a de janelas [de tempo] para aplicação de defensivos agrícolas".

Questionado sobre prós e contras da profissão, ele é direto: “Os prós são: a possibilidade de crescimento na carreira (pois faltam profissionais) e as inúmeras áreas de atuação. Já os contras, para mim, só teria um: é um setor com poucas empresas no Brasil. Apesar de faltar profissionais para as atuais empresas, também faltam empresas para um país de dimensões continentais.”

Nesse cenário, Davi explica que o principal mercado da metereologia está na área de energia. “No setor privado, existem duas ou três empresas de meteorologia que sempre estão contratando. Porém, a maior parte das contratações vem das empresas de energia elétrica, que estão se abrindo para esses profissionais, já que boa parte da energia elétrica produzida no Brasil vem das hidrelétricas”. No setor público, o carro-chefe é a área de docência nas universidades federais.

PREVISÃO DO TEMPO

A previsão do tempo é, talvez, a atividade mais conhecida dos meteorologistas. Entretanto, seria ela é a mais importante? “Assim como na medicina ou na engenharia, todas as áreas se complementam. Se eu tivesse que apontar qual a área mais fundamental na meteorologia, diria que é a de obtenção de dados meteorológicos. Isso engloba a parte de instrumentação (meteorologistas que desenvolvem e calibram instrumentos de medição de dados), sensoriamento remoto (obtenção de dados via satélite), radares meteorológicos (dados por radar), dentre outros tipos de coleta de dados mais específicos. A meteorologia não existe sem dados. Não há como fazer previsão do futuro sem saber do passado”, responde Davi Moura.

O especialista afirma que um dos maiores mitos de sua área de atuação é que a previsão do tempo é falha. “Essa é a mentira que foi contada várias vezes até se tornar verdade no Brasil. Na verdade é um problema de falta de incentivo ao conhecimento sobre o que é a previsão.”

Davi, então, esclarece o tema. “A previsão é um diagnóstico no tempo futuro baseado em possibilidades. Os modelos de previsão do tempo e do clima possuem inúmeras limitações que, ao produzirem a previsão, geram um percentual de erro. Ou seja, ao calcular uma previsão numérica de tempo e clima nós já sabemos que há uma margem de erro por diversos fatores como falta de poder computacional e a natureza caótica a atmosfera. O problema é que a previsão é informada pelos meios de comunicação sem dar a devida atenção para essas margens de erro.”

Infelizmente, segundo ele, dificilmente há meteorologistas trabalhando em redes de televisão. “As redes de TV compram os dados e repassam para a sociedade de forma bruta. O correto não é dizer ‘vai chover amanhã’, mas sim ‘há xx% de chance de chuva amanhã’”, expõe.

EVENTOS EXTREMOS

Prever eventos climáticos extremos é e sempre será um desafio, garante Davi. “Tivemos avanços astronômicos na meteorologia nos últimos 100 anos, mas ainda assim há lacunas a serem preenchidas. Algumas jamais serão. A previsão do tempo e do clima trata de um sistema caótico que é a atmosfera. Sistemas caóticos são extremamente sensíveis às condições iniciais. Isso torna impossível prever sem que haja percentual de erro. Apesar disso, hoje já somos capazes de salvar milhares de pessoas em um único dia com alertas de furacões, temporais severos e até tornados.”

Ele diz, inclusive, que as novas preocupações ambientais estão abrindo espaço no mercado de trabalho, principalmente com respeito ao monitoramento da Amazônia e a poluição atmosférica em grandes centros, como São Paulo. “Essas preocupações geram a necessidade de profissionais capacitados que possam auxiliar na conservação do meio ambiente e na saúde humana.”

CONTEÚDO NA WEB

Davi Moura começou a criar conteúdo digital durante o doutorado, depois de observar que quase não havia ninguém produzindo material na área. Inicialmente, lançou aulas on-line para auxiliar alunos de meteorologia, geografia, engenharias e oceanografia. Depois, concluiu que as redes sociais permitiriam uma vida mais tranquila: trabalhando em casa e em qualquer lugar do planeta.

“Foi aí que passei a criar diferentes tipos de conteúdo para atender um público maior. Totalizando todas as redes sociais (YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e grupos de Whatsapp, Telegram e do Facebook), tenho aproximadamente 170 mil seguidores/inscritos. Somando, isso gera entre 1 e 6 milhões de visualizações por mês do meu conteúdo”, enaltece.

O conteúdo produzido foca principalmente no monitoramento e prognóstico do tempo e do clima sobre toda a América do Sul, com maior atenção para o Brasil. Porém, também traz curiosidades sobre todo o planeta, como por exemplo, recordes de temperatura ou eventos extremos. Para encontras as páginas, basta buscar por Tempo e Clima Brasil ou Davi Moura, no caso do TikTok.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.

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