Festas realizadas recentemente por alunos do curso de medicina do Centro Universitário Padre Albino (Unifipa) vêm causando muito polêmica em Catanduva. O motivo está nas fantasias usadas por alguns estudantes nessas confraternizações. As imagens foram postadas no Instagram e mostram jovens brancos com as faces pintadas com tinta preta. Alguns vão além e chegam a utilizar perucas com cabelos 'black', marca característica das pessoas afrodescendentes.
A prática é conhecida como 'blackface'. Ela surgiu nos Estados Unidos e já foi tratada como algo natural, sendo muito reproduzida na mídia e nos espetáculos teatrais, do fim do século 19 à primeira metade do 20. Entre a população negra, porém, ela nunca foi aceita, por ser considerada uma forma de ridicularizar os afrodescendentes e reforçar estereótipos raciais negativos.
A partir da chegada dos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, nos anos 60, o 'blackface' passou a ser tratado como uma forma de racismo. No Brasil, a prática também vem sendo alvo de repúdio, nas últimas décadas.
Fundadora do Movimento Negro de Catanduva (MNC), Thainá da Silva Costa diz ter sido procurada por um estudante do 6° ano de medicina, que relatou a ocorrência de blackface em uma festa de alunos da faculdade.
Ela e demais integrantes do grupo também receberam prints e fotos, que mostram diversos estudantes 'fantasiados' de afrodescendentes. O MNC redigiu uma nota de repúdio, que chegou a ser lida para os alunos do curso.
As lideranças também entraram em contato com o Centro Acadêmico Emílio Ribas (Caer). Por meio de nota, a entidade, que representa os estudantes da Faculdade de Medicina de Catanduva (Fameca), informou que está “em contato com o Movimento Negro da cidade de Catanduva para praticar escuta ativa”. “Nesse sentido, oferecemos todo o apoio ao movimento e estamos abertos para ouvir toda e qualquer demanda”, diz o texto.
Uma reunião entre o MNC e o Caer está agendada para o dia 15 deste mês. Local e horário ainda não estão definidos. O centro acadêmico manifestou repúdio a todo e qualquer ato de preconceito, realizado dentro ou fora da instituição acadêmica. E também afirmou que não tem qualquer vínculo com a organização do evento.
“O CAER considera inadmissível todo e qualquer ato de violência ou de discriminação contra qualquer indivíduo. Desse modo, reforçamos a crença em uma sociedade plural e humanista. Lamentamos muito o ocorrido e nos solidarizamos com todos aqueles que se sentiram ofendidos", afirma a nota.
FACULDADE
Por meio de nota, a Unifipa informou que não tinha conhecimento do fato, já que o evento foi realizado fora do âmbito da instituição. O texto também manifesta repúdio ao ato e salienta que “a conduta não reflete a missão da instituição, seja ela fora ou dentro de suas dependências”.
“Dessa forma, a Unifipa se solidariza com o movimento, reforçando a crença em uma sociedade plural, humanista e que trate de forma igualitária a seus semelhantes, de modo que não haja espaço a qualquer atitude preconceituosa”, conclui.
REPERCUSSÃO
No post que traz a nota de repúdio do MNC, várias pessoas manifestaram indignação com o ocorrido. Mas houve também pelo menos um usuário que tentou enquadrar a reação como exagerada. “Não pode nem se pintar que já enquadram em algo”, argumentou. Na resposta do comentário, uma mulher questionou-o: “Pessoas negras sendo ridicularizadas para entretenimento de brancos é ok para você?”
Na visão de Thainá, a naturalização de práticas como o 'blackface' serve para justificar o racismo no país. “Isso legitima a violência contra o nosso povo. O Brasil tem um legado de escravidão, que nos joga nas periferias, no capitalismo marginal e no trabalho informal”, afirma.
De acordo com o estudo 'Demografia Médica do Brasil', divulgado em 2020 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Universidade de São Paulo (USP), apenas 3,4% dos concluintes de medicina no ano de 2019, em todo o Brasil, autodeclararam-se da cor ou raça preta. Outros 24,3% se declararam pardos e 67,1% se declararam brancos. Dessa forma, os negros formados em medicina no país, naquele ano, seriam 27,7% do total (a somatória de negros e pardos).
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2019, 42,7% dos brasileiros se declararam como brancos, 46,8% como pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas.
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