Tenor catanduvense voa alto e ‘reestreia’ na cidade amanhã
Luís Felipe da Silva foi acolhido na Casa do Adolescente, conquistou vaga no Conservatório de Tatuí e se apresentou em grandes palcos
Foto: DIVULGAÇÃO - Luís Felipe da Silva fará a abertura da palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella, amanhã, no Clube de Tênis
Por Guilherme Gandini | 28 de agosto, 2022
 
 

Quis o destino que Luís Felipe da Silva, 24 anos, nascesse exatamente no dia 7 de setembro, talvez para sinalizar que sua trajetória de vida seria marcada pela independência. Ele realmente precisou crescer rápido, é fato. Mas, em vários aspectos, foi protegido e iluminado por pessoas abnegadas que ele jamais esquecerá. Graças a elas, diz Felipe, ele faz o que mais ama: cantar. 

O início dessa jornada foi aos 11 anos de idade, quando Felipe entendeu que precisava procurar ajuda, já que sua mãe enfrentava uma fase delicada de dependência química. Ele se encheu de coragem e foi ao Cras Bom Pastor, explicou a situação, foi atendido por uma psicóloga e recebeu o contato do Conselho Tutelar. Na próxima crise, pediu socorro. Foi o início de uma nova fase.  

“Minha mãe estava muito doente, estava precisando de ajuda e aí numa crise muito complicada eu pedi socorro ao Conselho Tutelar e eles, junto com as Irmãs da Ressurreição, me abraçaram de forma muito, muito especial. Tenho as melhores histórias para contar sobre a instituição que me acolheu, a Casa do Adolescente”, relembra, citando projeto que se desfez há alguns anos.  

No novo lar, Felipe aprendeu a ler e ganhou senso de valor – descobriu o seu próprio, inclusive. “Éramos munidos de uma biblioteca muito boa dentro da casa e também tínhamos pleno acesso à biblioteca do Colégio Nossa Senhora do Calvário”, conta. Dedicado, ganhou proteção especial da Irmã Vanete e, sobretudo, de Maria Cecilia Aiello ou, apenas, Cecilia, como ele a chama.  

“Foram duas gigantes que me ajudaram a trazer esse sentimento de que a cultura valia à pena o investimento. As duas acreditaram muito em mim, o projeto acreditou, desde as psicólogas, as assistentes sociais, as monitoras sociais, até o escritório central, a alta diretoria”, ressalta.  

Foi Cecília que notou o talento do adolescente na área musical, viu que ele cantava bem e se destacava em termos de afinação. Sugeriu então que ele fosse compor o coral da Estação Cultura, conduzido na época por Martha Ocon. A regente, aliás, foi responsável pelo coro do projeto Recrear, da Unifipa e Prefeitura, do qual Felipe fez parte quando tinha apenas 5 anos.  

“Eu fui para a Estação Cultura e para minha grande sorte reencontrei a Martha e caí nas suas graças novamente. Ali nós vimos que eu conseguia ir além, gostava de pesquisa, pois as irmãs nos ensinaram sempre buscar mais. Lembro-me que a Cecília falava uma frase muito forte: que a gente só vai longe se voltarmos a ser crianças, no sentido de buscar o porquê das coisas.”  

A experiência em coro, frisa Felipe, foi um aprendizado de vida. “O adolescente, quando canta em coro, não tem aquele sentimento de unidade, ele tem o sentimento de união. O um tem que se somar aos cinco que estão ao seu lado para que os cinco, que se somam com outros cinco e outros cinco, cantem a uma só voz, num trabalho em equipe. Isso é muito importante.”  

Sob a regência de Martha Ocon, Felipe apresentou-se como tenor pela primeira vez no musical 'Ó do Borogodó', em uma edição de primavera. “Lembro-me claramente que o teatro municipal estava lotado. A sensação de ver todos aplaudindo em pé foi muito gratificante. Eu não tinha dúvidas que eu queria cantar, mas naquele momento eu tive a certeza que era aquilo que eu queria fazer da vida. Ali eu quis ir além, eu tive essa sede de ir além, busca e estudar.”  

APROVADO EM TATUÍ  

Felipe decidiu, em 2013, fazer um teste no Conservatório Dramático e Musical 'Dr. Carlos de Campos', o Conservatório de Tatuí, reconhecido internacionalmente. As Irmãs da Ressurreição bancaram a ideia, assim como o transporte e alimentação para viagens. O jovem catanduvense disputou com cantores de instituições renomadas, inclusive de outras nações, e foi aprovado.  

Foi necessário pedir autorização do Poder Judiciário. “Foi aí que nós tivemos um grande anjo que foi o dr. Alceu Corrêa Júnior, na época juiz da Vara da Infância e Juventude. Lembro que ele falou uma frase em uma audiência que foi ‘Nós temos que ter fé no Divino para nos basear em algumas coisas, mas a maior fé que nós temos que ter é no homem, em nós mesmos e naqueles que estão próximos. Às vezes o milagre não vem do céu, vem de nós.’ Aquilo foi incrível.”  

No ano seguinte, então, Felipe foi para Tatuí aos 16 anos, sem supervisão, para estudar canto e cursar o Ensino Médio. “Foi um voto de confiança tremendo de todos”, reconhece. Hoje, ele está prestes a se graduar em canto lírico, após 8 anos de curso, e formou-se em regência coral e introdução ao canto cural nas escolas, além de piano em outra instituição. Em paralelo, formou-se em Música na Unimes e está concluindo Gestão Empresarial pela Fatec de Tatuí.   

VOANDO ALTO  

Imerso no Conservatório de Tatuí, a maior instituição de música da América Latina, Felipe já se apresentou em vários estados brasileiros e fez concertos com regentes de diversos países. “Tive a oportunidade de estrear óperas como ‘O Sétimo Selo’, de Ingmar Bergman, por meio de um grande compositor, uma peça sueca, os cantores vieram todos da Suécia”, comenta.  

Nessa jornada, entre óperas, concertos e afins, Felipe contabiliza mais de 270 apresentações, o equivalente a mais de 700 horas cantando. “Foram muitos musicais, repertórios que antecediam a Cristo até contemporâneos, passando pela Renascença, Barroco, Romantismo, vários seguimentos. Faço palestras sobre canto, principalmente para preparação vocal para conjunto e também para voz solo, atuo como professor de canto e professor coral.”   

O tenor se diz honrado por ter cantado em locais que marcam a história musical do país. “Tive a honra de cantar em grandes palcos, como o Theatro Municipal de São Paulo, Sala São Paulo, Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Teatro Internacional de Brasília, entre outros. Cantar em grandes palcos e ser regido por grandes maestros foram minhas maiores realizações.” 

REESTREIA EM CATANDUVA  

Esta semana, Luís Felipe da Silva fará a abertura da palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella, na segunda-feira, 29, no Clube de Tênis Catanduva. Nos dias 30 e 31 de agosto, ministrará o workshop 'A nova face do canto' na Associação Nipo-Brasileira e, no dia 2 de setembro, prestigiará o musical 'Ó do Borogodó apresenta Especial Andrea Bocelli', no salão social do CPP.  

“Será minha reestreia em Catanduva, porque a última apresentação foi há 5 anos. A sensação de cantar em minha cidade se resume em agradecimento. Catanduva é uma cidade que, no segmento erudito, não oferece tanto espaço. Mas ela teve fé. Eu nunca vou poder agradecer essa cidade como ela merece. Sempre vou trabalhar para trazer mais, vai ser minha forma de contribuir. Algumas pessoas falam do sistema, que o sistema é complicado, mas com as pessoas certas nos lugares certos o sistema funciona e eu sou prova disso. Tenho respeito por minha cidade e, acima de tudo, admiração por aqueles que dela não desistem. E eu sou um deles.”  

FAMÍLIA E SUPERAÇÃO  

Entre tantas declarações dadas durante a entrevista a O Regional, Felipe listou nomes que, hoje, compõem sua família: Maria Cecilia Aiello, Irmãs da Ressurreição, Maria Aparecida Bauab, Wagner Quadros, Alceu Corrêa Júnior, Martha Ocon e Felipe Gonçalves, a quem chama de irmão e com quem convive e divide apartamento há oito anos, desde que chegou a Tatuí.   

“Minha trajetória de vida foi fundamentada na esperança e na fé. Eu acredito que Deus se manifesta de formas diferentes, mas a fé naquele que estava na minha frente, nas pessoas à minha volta, na energia que conduzia, acho que foi primordial. Quando olho para trás eu vejo, acima de tudo, resiliência. Não foi fácil, tive que trabalhar bastante para ter esse discernimento de que quanto mais a gente quer uma coisa, mais difícil é. Mas quanto mais difícil é, mais precioso é no final. Se essas dificuldades não tivessem acontecido, hoje eu não estaria onde estou, não seria quem sou e não viveria o que eu amo fazer. As dificuldades nada mais foram do que musculatura para me preparar para os desafios da vida, para enfrentar o maior MMA do mundo, que é a vida. E acredito que, até o momento, eu venci todos os rounds.”

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.

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