A dengue é uma doença transmitida por quatro sorotipos de um mesmo vírus, que podem infectar humanos por meio da picada do mosquito Aedes aegypti. Na maioria dos casos, a doença se manifesta de forma assintomática ou leve, com sintomas passageiros que melhoram em até duas semanas, graças aos anticorpos produzidos pelo organismo e à resposta celular. Os anticorpos e as células de defesa garantem proteção contra infecções futuras por aquele sorotipo que provocou a enfermidade, mas a pessoa continua suscetível aos outros três tipos do vírus.
E é exatamente a segunda infecção que mais preocupa os especialistas em relação à dengue, pois a chance de desenvolver uma doença grave aumenta consideravelmente. Décadas de pesquisas apontam que uma das principais razões para esse risco aumentado é o próprio sistema imune. Durante a reinfecção, os anticorpos específicos para o sorotipo antigo até reconhecem e se ligam ao novo tipo, mas muitas vezes não são capazes de neutralizá-lo. Com isso, acabam fazendo o oposto, ajudando o vírus a entrar nas células e se replicar.
“Anticorpos que não neutralizam podem, na verdade, piorar o quadro da dengue. O mesmo ocorre com as células T: as células T de memória formadas na primeira infecção são reativadas na segunda e produzem uma resposta muito mais robusta, mas muitas vezes não conseguem matar as células infectadas. Isso pode contribuir para que o indivíduo fique mais doente”, diz a especialista em dengue e revisora científica do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) Anuja Mathew.
Isso explica por que a comunidade científica internacional estabeleceu que uma vacina contra a dengue precisa ser tetravalente – como a candidata vacinal do Butantan, desenvolvida em parceria com o NIH. Ao proteger contra os quatro vírus ao mesmo tempo, não há risco de o imunizante piorar uma possível infecção. Além disso, ele pode ser aplicado com segurança em pessoas que já tiveram dengue, ou seja, que já possuem imunidade contra um dos sorotipos.
FATORES DE RISCO
A gravidade da doença depende não só da imunidade adquirida anteriormente, mas também da própria genética do vírus. Uma meta-análise conduzida por pesquisadores da Malásia e publicada na revista PLOS One demonstrou que os tipos DENV-2 e DENV-3 na América Latina apresentaram maior porcentagem de casos graves em reinfecções. Já no sudeste asiático, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 mostraram maior risco de causar doença grave na segunda infecção.
Anuja Mathew destaca, ainda, que existem outros diversos fatores que podem fazer uma pessoa ficar mais doente que outra, como fatores genéticos, comorbidades e questões nutricionais. “Não existe uma única resposta e as razões podem variar de indivíduo para indivíduo. Em um país endêmico como o Brasil, onde as pessoas estão constantemente expostas, a chance de ter uma doença grave aumenta”, diz.
Uma revisão sistemática feita na Universidade de Tóquio, do Japão, publicada no Journal of Vector Borne Diseases, mostrou que o risco relativo de ter doença sintomática na segunda infecção é 9,4 vezes maior, e o risco de complicações graves é 23,7 vezes maior.
COMO SABER SE É GRAVE
Geralmente, nas doenças virais, os sintomas pioram no pico da replicação do vírus, ou seja, quando há mais vírus circulando no organismo. Mas, no caso da dengue, acontece o oposto: o paciente pode apresentar uma “falsa melhora” e, depois, a doença piora. “Inicialmente, na segunda infecção, o indivíduo pode ter sintomas por alguns dias e depois começar a se sentir melhor. Mas é quando a febre e a carga viral diminuem que o quadro pode se agravar. A hemorragia, marca registrada da dengue, ocorre quando o vírus já não é detectado na circulação”, explica Anuja.
Por isso, é importante conhecer os chamados sinais de alerta. No início, a dengue pode causar febre alta, dores no corpo e atrás dos olhos, vermelhidão na pele e fadiga. No entanto, se o paciente começa a ter sintomas como dor abdominal intensa, vômitos persistentes ou com sangue, sangramento de mucosas, palidez, queda da temperatura do corpo, entre outros, é necessário atendimento médico com urgência para evitar complicações mais graves, como hemorragias, colapso circulatório e falência dos órgãos.
Também é necessário estar atento aos tratamentos adequados e nunca se automedicar sem orientação médica. Alguns remédios podem piorar a doença e devem ser evitados, como os anti-inflamatórios não esteroidais (ibuprofeno, diclofenaco, ácido acetilsalicílico, ácido salicílico, diflunisal, salicilato de sódio, metilsalicilato) e os corticoides.
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