A obesidade infantil pode estar relacionada ao descontrole emocional, mas quais os gatilhos emocionais que fazem com que as crianças comam de forma desenfreada? Como a psicologia pode ajudar a sair deste ciclo vicioso? A psicóloga Silvia Helena esclarece dúvidas sobre o tema.
“É durante a infância que criamos hábitos alimentares que podem perdurar por toda a vida e, diante do comportamento adquirido, tem grande influência diante das doenças crônicas não transmissível que resultam em grandes prejuízos. Se ao pensar que um bebê ou uma criança de 4 ou 5 anos não sabe dosar ou não tem noção do quanto inserir e a qualidade desse alimento, já descobriremos que o fator não é apenas psicológico”, explica.
A conduta familiar é fundamental para evitar o consumo excessivo de alimentos, diz a especialista. “A família pode impedir o organismo da criança de aprender instintivamente a comer conforme suas necessidades. O alimento é oferecido de forma indiscriminada. Isso ocorre porque pais ansiosos e pouco atentos à real necessidade de seus filhos não percebem que eles choram por outros motivos, e não somente quando estão com fome. Consequentemente, sem um aparelho psíquico maduro, a criança aprende que o alimento é a solução para todos os conflitos. Desta maneira, passa a ter dificuldades para diferenciar estados de tensão emocional, confundindo-os com a necessidade de ingerir algo. Tal associação persiste até a idade adulta, quando surgem dificuldades para o indivíduo encontrar seu estado de saciedade.”
Silvia pontua que o ganho de peso pode estar associado a situações de perda, ansiedade e até mesmo à depressão ou características de personalidade. “São multifatoriais as causas que levam as crianças a desenvolverem obesidade e, se não possuem transtorno orgânico que justifique o aumento de massa corporal, chega-se à conclusão que, além dos hábitos alimentares e do estilo de vida, o fator emocional pode estar especialmente relacionado à obesidade infantil. Principalmente em fase escolar e iniciando a vida social, como os adolescentes.”
O chamado bullying, caracterizado como ato de intimidação ou agressão física ou psicológica, alerta a profissional, pode agravar ainda mais a questão psicológica. “A ingestão excessiva de alimentos seria uma tentativa de compensação para trazer tranquilidade. A presença de bullying pode ser observado, acarretando isolamento e autodepreciação, agravando ainda mais a questão psicológica que leva à obesidade. Como somos tendenciosos ao prazer, crianças (também) tentam preencher o vazio emocional e o enfrentamento dos problemas comendo, pois essa é uma forma de manter algo bom dentro de si.”
A psicóloga fala sobre gatilhos emocionais, que podem ser fatores que contribuem com a obesidade. “Gatilho emocional é qualquer situação ou vivência do indivíduo que aciona cadeias de memórias ruins e tem poder para mudar o estado de humor, desencadear sintomas físicos e interferir na forma como se toma decisões e no comportamento social. É uma situação que precipita sentimentos e sensações desagradáveis para alguém, afetando aspectos que podem ser muito sensíveis ao indivíduo, como baixa autoestima ou sentimentos de angústia.”
Qualquer coisa pode desencadear os gatilhos, completa Silvia. “Os gatilhos emocionais podem ser pessoas, palavras, opiniões ou situações que desencadeiam uma reação emocional intensa e excessiva dentro de nós. Entre as emoções mais corriqueiras quando um gatilho é desencadeado estão raiva, tristeza, ansiedade e medo. O perigo dos gatilhos é que praticamente qualquer coisa pode desencadeá-los, e suas variações dependem das crenças, valores e experiências anteriores de cada indivíduo.”
Silvia lista, ainda, os sinais dos gatilhos emocionais. “Um gatilho pode desencadear sentimentos intensos e, muitas vezes, preocupantes no emocional. Alguns sinais que demonstram o impacto gerado por um gatilho são: raiva, solidão, ansiedade, estresse, medo, culpa, sentimento de julgamento ou inferioridade, tristeza, baixa autoestima, sensação de vazio, compulsões. Além da ansiedade, depressão, bullying, a compulsão alimentar ocupa um destaque no pódio da obesidade infantil, qual vira um círculo vicioso, comer para preencher vazios, solidão, tristezas. Estresses, necessidade de suprir expectativas e a frustração.”
SINAIS DE ALERTA
Silvia Helena alerta sobre a relação entre o comportamento solitário e a obesidade. “O que parece ser comum, uma criança ou adolescente que passa grande parte do dia internalizado em casa, no quarto, usando aparelhos eletrônicos, ele começa a desenvolver um comportamento solitário e dificuldades em se relacionar, cobranças escolares, e familiares, qual prazer a curto prazo ele tem? Ir até a geladeira, comer bobagens, suprir as angústias com refrigerantes e doces, virando uma constância. E ao passar dos meses o sedentarismo e ganho de peso, se retrai por estar acima do peso, e não se sente seguro em estar e partilhar lugares e momentos porque ele não se sente adequado aos padrões estéticos, sem contar as piadinhas e apelidos que são usuais aos “gordinhos”, aumentando suas frustrações, levando-o a consumir e a comer cada vez mais.”
Silvia relata atendimento a crianças com crises de ansiedade. “Tenho observado no meu consultório aumento considerável de crianças de 9, 10 anos e adolescentes muito ansiosos, com prazos e entregas de trabalhos, tarefas e atividades escolares, com a somatória da pressão psicológica em sustentar um padrão de bom aluno e excelente filho. Obesidade é doença, mas o indivíduo pensa, na maioria das vezes, que a culpa é somente dele, associa o excesso de peso à falta de força de vontade, então sofre.”
PROCURE AJUDA
A psicologia, ressalta Silvia Helena, pode ajudar. “Primeiramente uma avaliação para apontar a possível causa, qual o sofrimento psíquico que a criança está atravessando para poder traçar metas e objetivos e leva-lo a melhor compreensão de si e o papel da comida em sua vida. Profissional habilitado vai avaliar a qualidade de vida, os hábitos alimentares, genética, a cultura alimentar, sedentarismo, os aspectos emocionais, qualidade do sono, atividade física, medicamentos se faz uso, o controle e o tempo de exposição ás telas, etc.”
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