Zona de Interesse

Como assassinar pessoas sem sentimentos e conseguir maltratar sem estar com raiva? 

Viver ao lado de um imenso crematório como se nada estivesse acontecendo em entrelinhas que submergem a parte de um corpo que grita o horror frente a uma consciência que se vê impedida de estabelecer contato, enojam, enjoam e criam confusão.

Pessoas trabalham, trazem roupas das judias, nadam vez por outra no rio ao lado esbarrando em ossos que relatam um horror. Um jardim com piscina que é separado por um muro onde cresce uma parreira que barra uma cena que traduz silêncios e ecoam pequenos ruídos vindos dali.

Zona de Interesse é um filme cercado de cenas ambivalentes que relatam a vida cotidiana de Rudolf, sua família e seus criados, uma rotina cheia de silêncios que sem permissão carregam angústia ainda sem nomeação, terror sem nome que faz referência à falta de capacidade continente, tão necessária para diferenciar o que não tem nome mas que espera ser nomeado, flores silenciadas que continuam vivas e bem cuidadas, que não falam mas perturbam por sua beleza.

Tudo naquela família transcorre em silêncios ensurdecedores que travam uma falta de tradução para seus filhos que intuem que algo não vai bem, assim como para a esposa e mãe que tenta sobreviver e que se porta vez por outra num conformismo de sobrevivência, vez por outra com repentes tirânicos.

Talvez por isto tantos silêncios e fisionomias sem expressão que olham para o nada, apenas sentem, normatizam e somatizam. 

E no caderno de visitas alguém escreve: as melhores lembranças de férias, o melhor lugar.

Jonathan Glazer volta à essência do cinema e nos mostra o que está dentro e fora do enquadre da câmera conversando com cada um de nós para relembrarmos um dos mais tristes e devastadores episódios da humanidade.

Um filme que fala de sofrimentos sombrios. Difícil, mas necessário assistir!

Música “Forgotten Time” de Steyl, “Within This Night” de Michelle Qureshi.

Foto HBO Max © 

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br