Votar hoje, tal como em 1947

 

No dia 11 de janeiro de 1.947, a revista 'O CRUZEIRO' publicou um artigo da escritora Raquel de Queiroz, que merece ser lembrado. De tão atual, o escrito da renomada escritora brasileira se presta a qualquer tempo, a qualquer eleição e a qualquer eleitor. O artigo, apesar de ter sido publicado há mais de 65 anos, é tão atual, sábio e fascinante que, na impossibilidade de transcrevê-lo na íntegra pela limitação do espaço, extraímos alguns trechos, fazendo-os como se nossos fossem, já que comungamos do mesmo modo de pensar e de agir, porém, sem o mesmo talento de produzir um escrito capaz de se eternizar no tempo.

Vamos aos trechos: – “Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.  Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos ilumina, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.  Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que irão estipular a quantidade de impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a escolha desses “cobradores. Uma vez lá em cima pode nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bolso. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem. 

Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe, não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se que o voto é secreto. Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua escolha.

Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça que dentro da cabine indevassável você é um homem livre. Falte com a palavra dada, escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda, acompanha a gente até o inferno.”

Infelizmente, – Após mais de seis décadas e meia da publicação desse texto na então revista de maior circulação nacional, pouco ou quase nada mudou, não só na classe política (até piorou), como também no perfil do eleitorado que, na maioria ignorante, ainda elege alguns políticos para os quais os artigos 171 (estelionato), 317 (corrupção passiva) e 333 (corrupção ativa), dentre outros, do Código Penal, foram instituídos.

A propósito, oportuna a observação de Arnaldo Luiz de Oliveira Filho (Jornal O Estado de São Paulo, pg. 3, 30/09/2016): “Com a aproximação das eleições aqui vai um alerta: o ladrão é que escolhe as suas vitimas; já os políticos é você que escolhe para roubá-lo. Ou melhor, o seu voto pode fazer um ladrão virar político.” Finalmente, nunca é demais lembrar que voto não preço, tem consequências e, que consequências!

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.