Visitando a casa da formiguinha doceira

Observar as formiguinhas doceiras no seu incansável vai e vem sobre o rejunte da pia da cozinha com o azulejo da parede, sempre cumprimentando umas as outras a cada encontro, é algo bastante interessante. Mas, na imaginação é possível instalar uma microcâmera do tamanho de uma pontinha de agulha no dorso de uma delas para filmar e bisbilhotar o interior do seu ninho. Pra começar, essa câmera teria que ficar muito bem escondida para as outras não descobrirem, porque se descoberta poderá pagar com a própria vida ou ser expulsa do grupo como também incorrer em crime, porque a constituição garante que todo domicílio é inviolável. Então, é preciso respeitar (ops!). Essa espiã teria que se comportar de forma natural com as demais companheiras, cumprindo regularmente a sua tarefa, indo com migalhas de doces ou alimentos e voltando sorrindo com as mãos, quer dizer, antenas vazias para nova viagem. Nessa filmagem às escondidas seria possível ter uma visão geral do ninho que normalmente fica no interior das paredes, colunas de águas e outros lugares que são difíceis de enxergar, mas que elas têm acesso por serem pequenas. Câmera funcionando e monitor ligado é hora de conhecer um pouco da pequena colônia que se constitui na família da espiã. A entrada é rejunte de dois azulejos acima da torneira da pia e próxima da janela. Ela caminha apressada, passa pelas companheiras cerca de dois metros da sua casa, no final da pia, coleta a minúscula migalha que pode pesar até 20 vezes o seu peso, acomoda-a no seu dorso com o apoio das seis patas e retorna recebendo selinhos e mais selinhos no caminho. Receber selinho a cada encontro com as companheiras, não importa quantas vezes no decorrer do dia, faz parte do rito das formigas. Após percorrer os mesmos dois metros, sobe azulejo acima com carga dupla – a migalha e a micro câmera –, caminha apressada até a pequena saliência estreita que é a entrada principal, entre dois azulejos, dali até o ninho a distância é de pouco mais de 2 centímetros. A câmera mostra que o ninho ocupa um espaço de pouco mais de 1,5 cm2, fruto de uma bolsa de ar que se formou no reboque que antecedeu o assentamento do azulejo, que é onde fica a sua casa. O caminho entre o reboque é estreito e congestionado por onde segue a fileira de companheiras carregadas com migalhas cruzado com a fileira daquelas que estão retornando de antenas vazias. Na porta de entrada duas guardiãs verificam se não é impostora e, já no seio da colônia a câmera mostra que a rainha é maior que as demais, com pequenas asas translúcidas e rodeada de serviçais. Mais próximas estão as ovíparas e as que estão sendo treinadas para o trabalho e aprendendo o ofício. As melhores migalhas (mel, carne, queijo, doces, etc) são destinadas à rainha, por isso são depositadas ao seu redor. A câmera não mostra, mas a rainha serve apenas para reproduzir e, ao ser fecundada por um ou mais machos que, no período de reprodução também tem asas e, tal como os zangões, morrem logo após o acasalamento e são removidos para fora da colônia pelas operárias encarregadas da faxina da casa. A migalha que está sendo transportada pela espiã, por ser uma sobra de pão, é levada ao depósito geral e servirá para alimentar as operárias, principalmente no período frio ou de escassez de sobras de alimentos na cozinha. A câmera também não mostra, mas há registros que indicam que as formigas surgiram em nosso planeta entre 80 e 140 milhões de anos atrás. São aproximadamente 10.000 as espécies encontradas em todo o mundo, exceto nos polos e dessas, cerca de 2.500 vivem em nosso país. Feito o registro, voltemos ao vídeo que mostra a espiã retornando para pegar nova carga. No caminho vem dando bitocas em todas que encontra pela frente até terminar a sua missão no ponto combinado, um pouco fora da rota, quando a microcâmera é retirada do seu dorso e sua recompensa é paga – um pequeno suborno que consiste numa gota de mel, considerado néctar dos deuses por elas. A viagem da espiã é hipotética, mas o ninho e a carreira de formiguinhas existem tal como descrita na cozinha que também é real. A câmera hipotética também não registrou, mas sabe-se que é de 6 e 10 semanas o ciclo de vida da formiga entre a fase ovípara até se tornarem adultas. Em geral, as operárias podem viver alguns meses, com algumas espécies podendo viver aproximadamente 3 anos. As rainhas vivem mais do que as operárias, sendo que a maior longevidade foi registrada na espécie Pogonomyrmex owyheei, que atingiu uma idade de 30 anos. Elas aparentemente vivem mais quando são alimentadas com o mel da rainha. P.S. depois da filmagem todas foram eliminadas, inclusive a espiã, protagonista dessa história, com o simples borrifar de uma porção de detergente, vinagre e água, seguindo dica encontrada no Google (terrível, mas só contra os insetos, como dizia o comercial). Para elas, o ciclo de vida foi abreviado porque, afinal não passam de despiciendas formigas.

Fonte: Wikipédia.

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.