Vida contemplativa

As coisas acontecem, os fatos se sucedem, os atos ocorrem e poucos de nós nos damos ao trabalho de prestar atenção ao que está acontecendo, se sucedendo, ocorrendo. No máximo, chegam até nós alguns dos ruídos, dos farelos e das migalhas das ações, daquilo que houve. Chegam mais através das redes sociais e dos sites de notícia que da televisão, do rádio e do jornal. E chegam medianamente através da conversa cara-a-cara. Ocorre, porém, que pouco ou nada deste conjunto de informações é retido. Basta o dia virar suas 24 horas para que a memória faça sua limpeza geral e pouco ainda seja lembrado, menos ainda recordado.

Claro, você pode objetar dizendo que do turbilhão de dados que recebemos diariamente, pouca coisa presta. Nisto, concordo. Mas não é este o ponto. O ponto é: prestamos pouca atenção e desta atenção prestada menos ainda se presta à contemplação. Contemplação é uma palavra, um conceito, que no Ocidente e Oriente cristãos está intimamente ligada à vida monacal: monges e freiras contemplam. Contemplam os objetos da criação, o mundo imanente; contemplam o Criador e seus objetivos, transcendentes. A contemplação é o caminho do místico e seu exercício, porém, começa com o adestramento do foco e da atenção sobre o mundo físico e aparente. Antes do metafísico, atenção ao concreto.

A contemplação, então, é uma espécie de atenção purificada. Ela almeja descascar o ente e tocar sua essência. É como se desnudássemos algum objeto e nele discerníssemos mais do que sua estrutura engenhada, mas sim a personalidade de que o engenhou. A contemplação começa como apreensão da realidade daquilo que é observado e sobe à compreensão daquele que está na origem de tudo. São palavras um tanto quanto difíceis e de processamento intricando, eu sei; mas fica este resumo: contemplar é observar através da criatura seu criador. Se isto acontecesse com quadros em exposições analisados por crianças e por especialistas, com livros passando pela hermenêutica de leitores comuns e de intelectuais, quanto mais o nosso cotidiano aparentemente aleatório se começarmos a discernir seus padrões?

É possível contemplar a vida a partir das singelezas. Aquilo que de mais simplório acontece no nosso dia-a-dia pode estar carregado de complexidades muito bonitas e profundas. Para que isto aconteça, precisamos romper as barreiras da cognição, com o constante estímulo da razão e da criatividade, e da espiritualidade, abrindo as portas da alma Àquele que nos criou imagem e semelhança sua. Estar disposto a enxergar mais do que a olhar, a escutar mais do que a ouvir, enfim, estar propício a sair do fluxo poderoso da rotina que aliena e a adentrar no caminho sereno da existência que liberta.

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor