Vida breve, vida imensa

 

Não bastassem as drogas, os acidentes de trânsito, os assaltos, a aids e tantas outras doenças e acidentes de percurso, ainda temos de nos deparar com o desejo de alguns jovens de porem fim à própria vida. 

Sabemos que o suicídio, além de ser multifatorial, é também um ato individual. Vários são os fatores de risco de suicídio para o jovem. O problema está em diferenciar os comportamentos típicos da adolescência daqueles que prenunciam quadros mórbidos de evidente gravidade.  

Quem convive com adolescentes sabe que o tema da morte é uma constante no seu código de vida. O pensamento mágico e a necessidade de testar os próprios limites e se certificar de que é realmente capaz e que tem um lugar assegurado em seu grupo são temas recorrentes. Isso sem falar na impulsividade, que pode ser muito perigosa quando se trata de suicídio, pois os adolescentes tendem a primeiro agir para depois pensar.

Vão do impulso ao ato e muitas vezes pode ser muito tarde para se pensar no que se fez. Nesses casos é comum as tentativas de suicídio decorrerem de desentendimentos quando, em geral, o objetivo do ato era chamar a atenção ou vingar-se, produzir culpa ou livra-se dela. É sempre um ato de natureza violenta, seja ele direcionado contra si ou objetivando ferir indiretamente os outros.

Camisetas com caveiras, tatuagens com simbologia tétrica, músicas de temática mórbida e filmes de terror são apenas alguns dos exemplos mais comuns da busca de familiaridade com a tão temida morte. Temida pelos adultos, pois os jovens querem se mostrar mais corajosos que seus ultrapassados progenitores. Demonstram que gostam de sentir medo, sendo que, na verdade, gostam da falsa sensação de controle que pensam ter sobre ele. 

Nesta fase, os jogos e costumes podem estar mascarando algo maior e, muitas vezes, fica difícil diferenciar o lúdico do lúgubre. O que era para ser apenas mais uma brincadeira pode assumir um contorno indesejado quando outros fatores entram em jogo. 

Para identificar o perigo, o primeiro passo é saber se existe algum transtorno psíquico envolvido, como, por exemplo, transtornos afetivos, de personalidade, de conduta ou de adicção. Outro aspecto importante é a análise do momento ou contexto em que se dá este culto à morte, pois eventos circunstanciais como problemas de relacionamento entre os pais, luto recente, problemas de saúde ou econômicos etc. podem funcionar como o gatilho de um narcisismo ferido. 

Mas existe um sinal de alerta no discurso e no comportamento dos adolescentes para o qual devemos estar atentos. Como eles priorizam o mecanismo de defesa da racionalização, as ideias de morte costumam vir expressas de forma intelectual. Porém, quando o discurso muda e entra em cena um sentimento de morte, estamos diante de um risco aumentado de uma ideação suicida. É um sinal de que as defesas do ego não estão mais dando conta de tanta pressão. 

O suicida, em geral, é uma pessoa cujo desejo é o de ser cuidado incondicionalmente, como se contasse sempre com uma mãe muito zelosa. Isso pode configurar um padrão de funcionamento altamente letal, uma vez que acaba atribuindo aos outros a responsabilidade por ele próprio permanecer vivo. Um dado interessante é que o número de tentativas fracassadas de suicídio supera de dez a vinte vezes o número das que resultam efetivamente em morte. 

Os esforços devem estar dirigidos ao ponto nevrálgico da questão, que é a ambivalência do paciente suicida. Existe uma parte no indivíduo suicida que busca ajuda, que se questiona quanto a este seu desejo de se matar. Freud já enfatizou a natureza agressiva do suicídio, que, porém, não chega a ser mais poderosa que a força de autopreservação. 

É preciso um trabalho com as suas relações interpessoais, estimulando uma participação saudável em grupos ou na coletividade, produzindo-se uma rede social de apoio. Deve haver também o exercício da capacidade de verbalizar seus impulsos suicidas e agressivos antes de passar para o ato. Muitas vezes, o que separa o impulso da tragédia é apenas um telefone. 

 

 

 

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp