Versão brasileira

Semana passada, estava estudando a biografia do Ronald Golias (1929–2005). Deparei-me com um fato de sua carreira que eu desconhecia. Embora fosse um homem da televisão, ele foi convidado a fazer cinema por Hebert Richers (1923–2009). Há muito tempo não lia sobre esse descendente de alemães que nasceu aqui pertinho, em Araraquara. Richers mudou-se para o Rio de Janeiro aos 17 anos, a fim de estudar engenharia. Para se sustentar, trabalhava como fotógrafo em um estúdio de cinema de seu tio. Foi quando conheceu Walt Disney. Este viera ao Brasil com o propósito de fazer um documentário. Contratou Richers para trabalhar como cinegrafista, e os dois se tornaram amigos.

Richers frequentou os estúdios Disney em Los Angeles. Walt Disney incentivou-o a ingressar no ramo. Inicialmente, colaborou com os estúdios da Atlântida Cinematográfica, para depois fundar seu próprio estúdio. Em 1952, comprou o estúdio de Carmen Santos, uma das primeiras cineastas brasileiras. Dispunha, então, de uma estrutura com mais de dez mil metros quadrados — uma das maiores da América Latina. Para se ter ideia do seu poder de fogo, a TV Globo, antes de centralizar tudo no Projeto Jacarepaguá – PROJAC, em 1995, arrendava os estúdios de Richers para produzir boa parte de seus programas. Ele permitiu que os estúdios fossem rebatizados pela emissora com o nome de Globo-Tijuca. Ali foi gravada a icônica novela Dancing Days.

A partir de 1956, Richers, que não sabia dublar, começou a empreender no ramo de dublagens. Praticamente monopolizou o mercado durante décadas. O estúdio chegou a gravar mais de 150 horas de dublagens por mês. Quando a profissão de dublador foi regulamentada, em 1978, a empresa contava com mais de 300 profissionais contratados — e mais artistas em sua folha de pagamento do que a própria Rede Globo.

Quando frequentou Hollywood, conheceu o sistema de dublagem adotado na época, que consistia na gravação das cenas primeiro e na posterior dublagem dos atores por eles mesmos. Na hora da edição final, colavam os diálogos dos atores à cena. Essa é uma prática comum no ramo. A técnica foi usada para as obras estrangeiras. Com isso, contornou-se um grande problema: as legendas. A tecnologia era muito ruim, e as legendas eram quase ilegíveis. A dublagem e a pós-edição resolveram o problema.

A pulverização do mercado se intensificou. Na década de 2000, existiam mais de 15 estúdios de dublagem no Rio de Janeiro. O estúdio acumulou dívidas. Hebert Richers morreu em 2009, de insuficiência renal. O estúdio fechou em 2010. Em 2012, um incêndio destruiu grande parte do prédio. O que restou foi totalmente demolido em 2018. Hoje, vive apenas na memória da minha geração, que se habituou a ouvir, após os filmes: “Versão brasileira, Hebert Richers”.

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura