Verdadeira Realidade

Fome! Ah… fome? Ufa! Tudo não passou de um sonho. 

Eram imagens desfocadas, porém, bem reais. Sonhava que tinha fome, que tinha sede, que não tinha nada. O nada, às vezes, assusta. Como pode o nada assustar? Ele deveria ser, simplesmente, nada. Mas, o que realmente incomodava ali não era o nada. Era a fome, a sede, a pobreza. Não se tratava de um sonho; era um pesadelo. 

Muitas pessoas, quando acordam, não se lembram do que sonharam ou dos pesadelos que tiveram. Para ele, a situação não era essa: todas as imagens estavam ali, como que concretas em sua mente. Quase podia vê-las de novo. 

No sonho, tentava imaginar que sonhava. Você já sonhou que estava sonhando? É um delírio sem fim. Ao acordar, você se perde entre a realidade e a imaginação. Três mundos, três realidades diferentes que se unem e, ao abrir dos olhos, dispersam-se. 

Como entender isso? Não precisava. Ele, em nenhum momento, conseguiu imaginar que estava sonhando. Como não conseguiu, em seu sonho, fugir daquele pesadelo, resolveu pensar como seria bom se tudo aquilo não existisse. 

Como seria belo o mundo se tudo fosse exatamente o oposto! A fome seria fartura, a pobreza se transformaria em riqueza e a tristeza, na mais pura alegria. Ah! Como seria bom assim! 

Pensou, em seu sonho, como seria se as coisas ruins que estava sonhando desaparecessem. Todos teriam condições de vida parecidas; poderiam comer, beber e seriam felizes. As famílias teriam melhor estrutura e o país não sofreria tanto com a violência. Pelas ruas, polícia e bandido haveria, apenas, nas brincadeiras de criança. 

Pra quê Bush, Saddam ou Bin Laden? A paz reinaria. A África ganharia vida. E a natureza? Como estaria ela, sem tanta destruição? Seria como o sol: intocável, imponente e respeitável. 

Mas, nada daquilo adiantou. Imaginar, em seu sonho, como seriam as coisas se as atrocidades do mundo sumissem, não solucionou seus problemas. Continuava, ainda que em um sonho, a sentir fome, sede, tristeza e frio. E tudo só piorava… 

Com tudo aquilo, o acordar foi um alívio. Ah! Como foi bom saber que tudo era um pesadelo! Aliviado, levantou-se. No banheiro, escovou os dentes e com a água fria lavou seu rosto. De volta ao quarto, abriu a janela e tremeu com o frio que fazia lá fora. Era cedo, bem cedo. 

Embriagado de sono, colocou a roupa simples de sempre e saiu. Nem notou que saía sem agasalho e sem café da manhã. Se tivesse pensado nisso, não faria diferença: a geladeira estava praticamente vazia. Sem raciocinar, seguiu sua rotina. 

Na rua, não notou os velhos casebres na vizinhança. Não viu a sujeira, a pobreza, a podridão. Os três mundos que passaram por sua mente adormecida uniam-se em uma única realidade: a sua vida. Seu pesadelo era o seu dia-a-dia. 

Se um dia sonhasse, imaginaria poder mudar tudo aquilo; sonharia que, até então, estava apenas sonhando. Os tormentos do pesadelo daquela noite eram mais reais do que imaginava. Mesmo sem comer, não sentia fome. Sentia, mas fingia não sentir. 

Não tinha nada. Mas tinha fome, sede, tristeza e frio.

Autor

Guilherme Gandini
Editor-chefe de O Regional.