Vai que cola
"Agiliza essa vacina aí, gente! A galera tá morrendo, se liga! O mundo vacinando e o Brasil ficando pra trás...! Que tristeza! Louco pra tomar vacina!"
PAULO GUSTAVO
Foi ator, humorista, diretor, roteirista e apresentador brasileiro. Reconhecido internacionalmente por seus trabalhos no teatro, no cinema e na televisão. (1978-2021)
Nas contradições da sobrevivência, muitas pessoas se submetem a ações surpreendentes, traindo ideologias e voltando atrás em posicionamentos políticos ou ainda mudando valores pessoais – nem sempre de forma legítima, porém conveniente. Por dinheiro, muita gente segue à risca os versos de “E o mundo não se acabou”, do grande compositor brasileiro Assis Valente: “Beijei na boca de quem não devia/Peguei na mão de quem não conhecia/Dancei um samba em traje de maillot...”
Dessas incongruências todas, a Lei Paulo Gustavo, que foi criada para incentivar a cultura e garantir ações emergenciais, em especial as demandadas pelas consequências do período da pandemia de Covid-19 no Brasil, que impactou de forma trágica o setor cultural nos últimos anos, é palco das mais bizarras ações por parte de alguns extremistas. Extremistas esses que bradaram contra o Ministério da Cultura e comemoraram seu fim em 2019 sob a canetada do ex-presidente e sob palmas e gritos de euforia, perseguiram a classe artística, desmontaram e sucatearam a Lei Rouanet sem terem a mínima noção do que ela é em sua essência, e ainda classificaram artistas como vagabundos quando a pandemia nos tirou o trabalho, a renda e a dignidade, como grande parte da população atingida pela Covid-19. Esses mesmos extremistas agora se beneficiam do dinheiro da Lei Paulo Gustavo, que é emergencial para a cultura, enquanto muitos artistas não conseguiram esse auxílio, artistas que não se recuperaram das perdas, financeiras e morais, do período da pandemia. E tudo isso sob o olhar compassivo do poder público onde, quem administra a verba que é um direito dos artistas não é do meio.
Pode-se argumentar que “o edital permite que qualquer pessoa se inscreva e se beneficie dela”. Sim! Isso tem que ser revisto. Mas aqui há uma questão ética.
Vejamos: por que a Lei leva o nome de Paulo Gustavo? Ora, o ator, dramaturgo e produtor foi dos maiores sucessos do cinema, TV e teatro brasileiros nos últimos anos e foi vítima da Covid-19, falecendo aos 42 anos de idade, justamente ele que lutou em campanhas pela vacinação, socorrendo centenas de pessoas que sofreram as terríveis consequências da doença.
Esse mesmo Paulo Gustavo que realizou doações e ajudas financeiras a pessoas com quem ele trabalhou e foram afetadas pela pandemia de Covid-19, além de ter doado R$ 500 mil durante a crise de oxigênio em Manaus, capital do Amazonas, ocorrida em meados de janeiro de 2021. Ele depositou R$ 1 mil por três meses a quase 120 trabalhadores que atuaram em suas produções. Ao longo do cenário pandêmico, Paulo conversou com sua equipe por e-mail para acompanhar aqueles que precisassem de alguma forma de ajuda. O Padre Júlio Lancellotti revelou que o ator havia doado 1,5 milhão de reais para a construção de um centro de tratamento de câncer. Segundo informou o padre, o ator doou os valores para as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). "Muita gente não sabe, mas o ator Paulo Gustavo era grande benemérito das Osid”.¹
É disso que estamos falando: de ações que não se contradizem e princípios que não se abalam sob o vento fresco do dinheiro que corrompe posicionamentos e “ideais”. No entanto, esse é o país do “vai que cola...” e colou. Para alguns. E apesar de emergencial, não alcançou quem mais precisa.
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