Uma viagem sonhada

 

“O sonho da minha infância era a viagem.” 

Ariane Mnouchkine 

Diretora de Teatro e Cinema francesa, fundadora do Théâtre du Soleil, em Paris. 

 

Na próxima segunda-feira, dia 19 de setembro, comemora-se o Dia Nacional do Teatro. Sim, o teatro é a arte do efêmero. É tão fugaz, rápido, passageiro... um instante ligeiro que passa pelos olhos, ouvidos, no entanto, provoca tantas sensações, efeitos e percepções que pode parecer uma experiência imortal! Não raras vezes assim o é.  

Mais de 40 anos nos palcos, sob diversos trajes e personagens, vimos profundas transformações no público. Pessoas que se animaram a nos revelar, após uma apresentação teatral da Cia da Casa Amarela, que aquele instante causou um profundo mergulho em si mesmo, uma catarse, uma liberação de emoções jamais sentidas e que, em muitos casos, transformaram suas vidas. Crianças, jovens, adultos. Não há quem passe intacto a uma vivência teatral. Logicamente que nos referimos a uma peça teatral de qualidade e que prioriza o humano, algo além do palco, qualquer coisa que dure muito mais que alguns minutos ou horas numa sala de espetáculos. 

Uma definição dessa realidade que experimentamos, está sintetizada numa frase da jornalista Érica Bernardes, assídua espectadora e visitante da Cia da Casa Amarela: Nunca vou me esquecer do dia em que tirei as sandálias, entrei em uma casa amarela e me lembrei completamente quem era eu”. A magia do teatro, a viagem que uma história proporciona, instiga, metaboliza numa alma que muitas vezes não quer enxergar ou aceitar. 

O papel do teatro, principalmente na atualidade, está muito acima e vai muito além do entretenimento puro – o que por si só já seria válido – mas é preciso aproveitar aquele instante, aquele rito único, para compor uma sinfonia dos que pensam. 

Ariane Mnouchikine, talvez a mais influente e importante diretora teatral contemporânea, revolucionou o teatro francês e mundial com sua trupe Le Théâtre du Soleil (o Teatro do Sol, não à toa que tem esse nome), com uma dramaturgia e encenação que revigoram as relações interpessoais entre artistas e público. Foi muito curioso, quando nós da Cia da Casa Amarela reconhecemos muitos elementos que nos aproximam ao trabalho de Ariane. Também não é por acaso que nosso teatro é amarelo e que se inspirou em Van Gogh para idealizarmos essa casa que não é de tijolos e sim de universos interiores de cada um de nossos espectadores. 

Nosso público é tudo! Vamos buscar, novamente em Mnouchkine uma definição que nos acompanha há quase três décadas só de Cia da Casa Amarela: antes de começar, nós nos lembramos que há na sala espectadores para quem esta é a primeira apresentação de teatro. E outros para quem será a última. 

Nossa filosofia de ofício teatral tem duas vertentes muito importantes: a primeira é que toda obra deve nascer de uma necessidade interior, uma máxima do artista russo Wassily Kandinsky – que também nos inspira -, e a segunda é que toda pessoa deve sair do teatro diferente de como entrou. Algo deve movê-la, sensações e emoções devem se revelar e causar reflexões, questionamentos, para que instante efêmero transcenda sua definição e se perpetue no indivíduo. 

São centenas de depoimentos de crianças, adolescentes, educadores, artistas, brasileiros ou não, que nos relatam o encantamento, a emoção, a sensibilização do teatro em suas vidas, graças a personagens que levamos para o palco como Florbela Espanca, Federico García Lorca, Cândido Portinari, Van Gogh, Anita Malfatti, um soldado solitário, uma menina sonhadora, dois refugiados, uma família de pinguins, enfim, tudo o que o teatro proporciona. 

Em nós, também havia na infância um sonho de viagem. Essa infância permanece porque artistas são crianças que não se permitem envelhecer e abandonar sonhos. O teatro é uma viagem de quem ousa sair do seu próprio mundo, se encoraja a inventar asas de voar, como Lorca, e se atreve ser feliz! 

Um viva a todos profissionais do teatro. Um viva ao Teatro e que nunca mais essa Arte seja sucateada pelo fascismo e destituída sua importância como bem essencial de um povo, de uma nação.  

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.