Uma reflexão sobre a morte

A morte é inevitável porque a vida é inevitável. Ninguém pediu para nascer. Da maratona espermática à pá de cal na cova (quando há pá de cal na cova), a vida é um fato sobre o qual não arbitramos previa e posteriormente. A vida é um fato que se consuma ao nos consumir. Não estávamos aqui, estamos aqui, não estaremos aqui. Esta é a linearidade: começo, meio e fim em passado, presente e futuro. E apenas o meio pode, de certa forma, ser arbitrado com um pouquinho (por conta da homeostase social, que nos contingencia) de liberdade e consciência.

Então, até que chegue o momento supremo, o fim, o nosso “that’s all folks” tragicomicamente musicado em réquiem, como podemos viver cientes de que vamos morrer?

Michel de Montaigne escreveu um ensaio sob o título de “Que filosofar é aprender a morrer.” O título deriva de uma frase de Cícero, que retirou a idéia, salvo engano, de Platão. No texto, Montaigne explica o dístico (auto-explicativo, convenhamos): “[...] toda sabedoria e discernimento do mundo se resolvem por fim no ponto de nos ensinarem a não termos medo de morrer.” Esta sentença carrega implícita a noção de ansiedade. No fundo, há algo tanto de estoico quanto cristão a dizer: o ser humano não deve se preocupar, não deve ficar ansioso, com o inevitável. A inevitabilidade das situações é, em si, causa suficiente de paz para nossas tribulações.

O inevitável, seja nascendo, seja morrendo, não deve ser fonte de angústia e inquietude; mas, isto sim, deve ser fonte de contemplação -- pura atividade filosófica. Para morrer bem, necessário viver bem. Para viver bem, necessário investigar os porquês da vida e da morte. Não é certo que, apenas por meios filosóficos, chega-se à alguma resposta definitiva e ou suficiente. Não mesmo! Até porque a Filosofia está muitas das vezes mais interessada na formulação das perguntas que na obtenção das respectivas respostas.

A consolação que a meditação organizada pode oferecer é a consolação da “resignação ignorante”. É a reflexão do “espelho que pensa”, nas palavras de Guerra Junqueiro. Resignação porque, repito, acata o inevitável e trata de aproveitar a trajetória (o meio entre as pontas do “fio da meada” trançado pelas arquetípicas moiras trinitárias). E ignorante, porque está consciente de seus limites cognitivos, incapazes de avançar muito além daquilo que é óbvio ululante para qualquer outro membro da espécie humana, seja ele um aborígene no século VII a.C, um astronauta que neste instante come ou defeca na Estação Espacial Internacional ou algum outro aleatório homo sapiens mais ou menos evoluído ou involuído no tão incerto quanto hipotético ano de 3079...

Os cinco parágrafos anteriores fornecem uma visão resumida do que é aceitar e assumir nossa insignificância biológica, corporal. Nascemos: aceite. Vivemos: não aceite qualquer coisa. Morreremos: aceite. Há um duplo chamado: (1) aproveite a vida, carpe diem, (2) mas antes saiba como melhor aproveitá-la. À propósito, o próprio Cristo perguntou: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Marcos 8:36).

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor