Uma mãe símbolo (baseado em fatos reais)

Este artigo foi originariamente publicado em maio de 2009, em outro jornal. Decorridos 13 anos, o seu conteúdo mantém-se atual, daí a pertinência da sua reprodução, ainda que com alguns cortes em face a nova formatação do jornal. Vamos a ele: “Muito pouco já se escreveu sobre o vocábulo mãe que, na língua portuguesa é representada singelamente por uma consoante e duas vogais. Se o leitor pesquisar no Google vai encontrar muitos sites (a maioria vendendo produtos) e pouco escritos, sendo o que mais lembrado é a poesia “Para sempre” do renomado Carlos Drummond de Andrade.

Dia das mães faz lembrar a figura da Dona Nenê, uma senhora negra, de baixa estatura, de olhos negros sempre derramando amor e generosidade, de lenço branco e surrado escondendo os cabelos, principalmente os fios brancos, marca do tempo que o semblante insistia esconder por conta do sorriso, apanágio da sua humildade e bondade. Não se sabe ao certo se viva ainda está, nem tampouco onde mora...

Se ainda nesse mundo, certamente carrega no coração a saudade, locatária permanente e eterna dos quatros filhos que se foram há muito. Se no outro plano, decerto rodeada dos filhos Teto (lixeiro da Prefeitura), Cuca (pedreiro e zagueiro do time amador XV de Novembro), Valtinho (não teve tempo de exercer uma profissão) e Tuta (que desde cedo se identificava com o lado feminino), que, um a um, a deixaram sozinha neste mundo, porquanto a sua missão, certamente, era mais extensa do que a deles.

Dona Nenê acordava no fim da madruga e antes mesmo do sol luzir no horizonte. Começava o seu dia preparando o almoço que seria acondicionado em marmitas de alumínio para os filhos Teto e Cuca. Os afazeres domésticos ocupavam o resto do seu dia, principalmente as roupas dos quatro filhos (haja cuecas!) que exigiam trabalho dobrado desde lavar e passar a fazer os remendos que evitavam que os novos rasgos estragassem ainda mais a velha roupa.

A casa era outra preocupação. Uma construção antiga e modesta, sem forro, piso de cimento queimado e janelas de madeira de um azul desbotado, não dispunha de qualquer outro conforto, nem tampouco energia elétrica e água encanada.  Localizada no começo da coloninha do “turco” (de propriedade do sr. Francisco Elias, pai do Dadão, Miguel e Raul), como era chamada, a colônia era porta de entrada da Vila Sicopan e ponto de encontro de muitos meninos pobres. Ainda assim, tudo era organizado e limpo na casa de poucos móveis e panelas velhas de reluzente alumínio dependuradas.

O estado de pobreza quase absoluta nunca a fez esmorecer e, jamais chorava ou lamentava a sorte que o destino havia lhe reservado. Incansável e perseverante Dona Nenê nos idos de 1960, não era muito diferente das pobres mães dos dias de hoje, principalmente aquelas que renunciam a tudo, até mesmo o convívio com os filhos pequenos, deixados em creches ou com a vizinha, para serem “bóias frias”, domésticas, operárias e até mesmo coletoras de papelão, latinhas de alumínio e outros materiais recicláveis.

Dona Nenê, cujo nome verdadeiro poucos conheciam, simboliza as milhares e talvez milhões de mães que não mediam esforços, nem tampouco sacrifícios, para dar aos filhos a certeza de um futuro melhor e a esperança de uma vida digna. E, muitos desses filhos são hoje profissionais liberais, empresários e cidadãos bem sucedidos. A mesma sorte, contudo, ela não teve, pois, viúva sem ajuda de ninguém criou quatro filhos prematuramente levados por Deus, obrigando-a a enfrentar a velhice sozinha”. Parabéns a todas as mães pelo seu dia, que não limita ao hoje.   

Autor

José Carlos Buch
É advogado e articulista de O Regional.