Uma falsa impressão

Recentemente, a pintura 'A Liberdade guiando o povo', do pintor francês Eugène Delacroix, imortal clássico do século XIX em exposição permanente no Museu do Louvre, em Paris, foi censurada pelo Facebook que a bloqueou alegando se tratar de cena de nudez, o que a própria gerente da rede social na França, Elodie Larcis, reconheceu ter sido um engano e uma precipitação: “às vezes cometemos erros”, afirmou. 

Sim. Cometemos erros e enganos, mesmo porque nem sempre temos dimensão ou consciência do quanto a Arte está acima de preconceitos e além dos achismos.  

Sem qualquer conotação sexual, 'A Liberdade guiando o povo' é uma das mais icônicas obras de arte de todos os tempos, em comemoração à revolução de julho de 1830, com a queda de Carlos X. Sem dúvida, é uma bela representação histórica da República Francesa e se tornou um símbolo. No entanto, como todo conflito armado e todas as guerras, independentemente de suas razões ou proporções, registra um momento triste, difícil, de lutas que cessam vidas, causam dores e lágrimas, muitas vezes dizimando milhares de pessoas. 

O artista transforma a vida em poesia. A Arte questiona a própria vida, denuncia os posicionamentos e costumes sociais, religiosos e políticos; fomenta reflexões em torno das ações humanas e o faz com entusiasmo criador e, na maioria das vezes, com a provocação necessária para fazer agir e reagir às injustiças e abusos. Transforma o caos em beleza, a dor em poesia e sublima o humano. 

No entanto, vivemos um momento de constantes, nem sempre profundos, debates em torno do que é belo em termos de Arte, independentemente de conhecimento estético e de vivência artística e cultural. 

Logicamente, que somos tocados interiormente por razões diferentes e exteriormente por múltiplas formas e expressões que excitam o olhar, mas não há preconceito ou ideologias que possam censurar a Arte. Quando definimos e conceituamos, limitamos. A bela representação de uma coisa, no dizer de Kant, ressalta a qualidade e a excelência da obra, fruto do talento e empenho do artista, não importando o motivo representado.  

Emprestando o próprio título da obra, 'A Liberdade guiando o povo', a Arte é a representação livre de uma sociedade, de um país, de uma nação, que trabalha e anseia por dias melhores, apesar das dificuldades e desafios, inspirando-a a abrir os horizontes e apontando novas perspectivas. 

O artista cria o encantamento, instiga novos caminhos, desperta a consciência de lutar pelo melhor, transformando a tragédia em Arte, ainda que nem sempre se compreenda complemente seus objetivos estéticos e humanos.  

A Arte não objetiva apenas encantar os olhos. Ela provoca sensações diferentes, nem sempre agradáveis. Ela instiga o melhor em nós. A Arte incomoda, não raras vezes, no entanto, levanta o véu da ignorância e desperta um novo amanhã, mais consciente e lúcido.  

 

Autor

Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues
Atores profissionais, dramaturgos, diretores, produtores de teatro e audiovisual, criadores da Cia da Casa Amarela e articulistas de O Regional.