Uma educação à frente do tempo (II)

Continuando o assunto da semana passada, onde relatei a importância do pensamento e das reflexões elaboradas pelo professor Pedro Além a respeito da inclusão dos portadores de necessidades especiais nas escolas regulares, em meados da década de 1940, hoje trago mais um pouco do pensamento visionário deste grande educador em Catanduva.

Infelizmente, mesmo com todo o seu esforço pela efetiva mudança de uma lei educacional tão injusta, Dr. Pedro nunca chegou a figurar entre os grandes nomes da educação nacional.

“Alegou-se, na época, que a ausência desse reconhecimento foi uma iniciativa política para protegê-lo diante do governo ditatorial de Vargas”, relatou sua filha, a psicopedagoga Angela F. Além, anos atrás.

Angela ainda argumentou que se a proposta de mudança na lei tivesse uma iniciativa política, ela não teria demorado décadas para ser efetivada na prática. “Haveria por trás dela também um interesse político que se desencadearia a vontade política, acelerando o processo de implantação prática da nova lei, o que não aconteceu”, salientou.

O grande debate sobre a inclusão dos portadores de necessidades especiais nas discussões acadêmicas e dentro dos processos legais sentiu explosão na década de 1990, quando se iniciou grande movimento a respeito dessa temática.

Para todos

Dentro de suas inquietações pedagógicas, Dr. Pedro Além, que já demonstrara grande preocupação com os portadores de necessidades especiais, também colaborou muito com a população mais carente.

No ano de 1957, Dr. Pedro apresentou importante projeto ao Ministério da Educação, como sugestão de lei, aliando questões sociais com o âmbito educacional. Nessa época, já se discutia a elaboração de uma LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – que seria promulgada em 20 de dezembro de 1961, quase trinta anos após ser prevista pela Constituição de 1934.

A proposta apresentada pelo referido educador versava sobre o ensino primário gratuito para todos, o que fez Dr. Pedro ser reconhecido como elaborador e apresentador da proposta, fato que não tinha acontecido no caso anterior da inclusão.

O projeto recebeu alterações e foi apresentado em plenário no Congresso Nacional, em 1961, através da voz do então senador Mourão Vieira, que leu o projeto do Dr. Pedro Além, intitulado “Escola Primária Gratuita para Todos”. (Finalizo a temática na próxima edição da coluna).

“Escola Primária Gratuita para Todos”

Resumo do conteúdo: Leitura do texto do educador Pedro Além Jr, feita pelo Sr. Mourão Vieira, no ano de 1961

“Agora que o Senado irá discutir o Projeto de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, será oportuno levantar a questão para debates a fim de que os interessados fiquem esclarecidos sobre o assunto. A Constituição Federal, em seu artigo 168, item I, diz: O Ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; e, no item II diz: O Ensino Primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos. Por aqui vemos que o ensino primário é obrigatório. Portanto, todos serão obrigados a cursar uma escola primária, independente da sua situação social, econômica, religiosa, filosófica ou política. Acontece que somente o ensino primário oficial é gratuito, mas as correntes de opinião existentes são várias e todas elas desejam uma educação para seus filhos de acordo com seus conceitos de vida. Se a família está em condições de escolher uma escola para educar seu filho de conformidade com suas opiniões e filosofia de vida, o problema estará resolvido, pois seus recursos financeiros lhe permitem o direito de escolha; mas, se a situação financeira não for favorável, ela será obrigada a matriculá-lo numa escola pública, mesmo que ela não atenda ao tipo de educação almejada para seu filho. Entretanto, a Constituição Federal em seu artigo 167 diz: O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre a iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Por este artigo, a constituição permite à iniciativa particular o ensino nos diferentes ramos, a fim de que possam abrir oportunidades educativas às várias correntes de opinião existentes na Nação, exatamente para o fortalecimento da democracia que só poderá apresentar autenticidade democrática na livre expressão de pensamentos e sentimentos individuais e grupais variados. Por motivos óbvios, sabemos que a escola particular não pode ser gratuita, decorrendo daí um fato sobejamente conhecido, a saber: insatisfação de muitas famílias que se consideram lesadas em seus ideais educativos, por não possuírem recursos financeiros para usar dos direitos que a nossa constituição lhes oferece de educar seus filhos em escolas particulares de sua preferência. De nada lhes vale o direito democrático de escolha, se não podem escolher, democraticamente, a escola onde educar seus filhos. Como evitar isso? Tornando a escola primária particular também gratuita para todos. Mas, como? Aprovando o projeto de diretrizes e bases da educação nacional, tal qual foi aprovado na Câmara Federal. Expliquemos: Para que um educandário possa funcionar, o governo impõe uma série de exigências. Dentro dessas exigências, deverá constar a tabela de preços a ser aprovada pelo governo, quando se tratar de educandário particular. Se o governo reconheceu o educandário particular é porque também aprovou sua tabela de preços por achá-la módica. Uma vez autorizado a funcionar, o educandário abre as matriculas a todas as famílias que veem nessa escola um centro educativo ideal capaz de cooperar no sentido de atingir os objetivos e fins visados na orientação de seus filhos, e o governo pagará os estudos daqueles que nele se matricularam. A lei de diretrizes e bases da educação nacional em seus artigos 93 e 94 permitem que o governo pague estes estudos em forma de auxílio aos estudantes ou bolsas de estudo ao mesmo. A regulamentação futura é que deverá traçar normas para tal. Em se tratando de ensino ulterior ao primário, ou seja, médio ou superior, o governo somente pagará os estudos àqueles que provarem falta ou insuficiência de recursos. Com isto, o dinheiro do povo será aplicado em benefício do próprio povo e, teremos um substancial fortalecimento ao regime democrático instituído pela nossa constituição. Ora, se o ensino primário é obrigatório, é necessário que o governo propicie meios para a execução desta obrigatoriedade, sem quebra dos direitos do indivíduo e sem quebra dos princípios democráticos da nossa carta Magna. Além desta vantagem, a lei de Diretrizes e Bases da educação nacional é um todo que atende às realidades nacionais. Não é ideal como queríamos que fosse, pois não podemos exigir uma lei para uma educação ideal num país que somente agora ensaia sair do subdesenvolvimento, mas, é realista porque atende às nossas reais necessidades do momento e permite ajustamentos às realidades futuras, por meio de decretos regulamentadores.

Assinado: Dr. Pedro Além Júnior, Diretor do Ginásio e Faculdade Catanduva, Estado de São Paulo.

Esta é a contribuição que, por meu intermédio, traz ao senado da república, o Dr. Pedro Além Júnior, diretor do Ginásio e Faculdade Catanduva, personalidade a que já dei o devido relevo quando sobre ela falei ao transmitir à Casa, o subsídio que esse ilustre professor ofereceu ao nosso estudo. Era o que tinha a dizer”.

Fotos:

Professora Marcelina Além, irmã dos senhores Pedro e Cândido Além, ministrou por muitos anos aulas de inglês no Ginásio Catanduva

Foto de 1940, pegando parte do fundo do Ginásio Catanduva, junto à rua Pará, onde foi construído, posteriormente, o prédio próprio do ginásio

Desfile de alunos no dia 07 de Setembro de 1959, em comemoração aos 20 anos do Ginásio Catanduva. Na foto, região do Parque das Américas

Agosto de 1958 – alunos do Ginásio Catanduva, na quadra de Bola ao Cesto, durante curso de Orientação Educacional. Ao centro, Dr. Pedro Além Jr. e Prof. Denny José Alves. A direita, professor Nelson de Macedo Musa

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.