Uma educação à frente do tempo (I)

De alguns anos para cá, o termo inclusão tem ganhado muito espaço dentro do debate educacional. Muitos acreditam que o termo é recente, surgido no final dos anos 80. Desconhecem, de fato, que desde tempos mais remotos, poucas pessoas já defendiam a ideia referente à inclusão, num momento onde ser diferente era visto como anormalidade, defeito, exclusão.

Um dos grandes homens que lutaram e defenderam a bandeira da inclusão, e, infelizmente, não teve seu trabalho reconhecido por isso, foi o professor Pedro Além Júnior, muito conhecido em Catanduva, tanto pelo papel de educador que desenvolveu na cidade, como por ter sido, juntamente com seu irmão, Cândido Pedro Além, proprietários do Ginásio Catanduva, que por muito tempo funcionou na esquina das ruas Pará e Aracaju.

Desde 1942, ano em que o mundo vivenciava os conflitos da Segunda Guerra Mundial, este educador já defendia a inclusão dos portadores de necessidades físicas especiais nas classes regulares, alegando que estes possuíam os mesmos direitos de todos os cidadãos brasileiros.

O início

De acordo com a psicopedagoga Angela F. Além, filha do Dr. Pedro Além Júnior, em material interessante e completo que me enviou anos atrás, ela relatou que “(...) tudo começou quando os irmãos Pedro e Cândido abriram sua escola, em 1939, na cidade de Catanduva (...) Entre os candidatos às vagas para o curso de admissão ao ginásio, inscreveu-se um adolescente cadeirante. Esse candidato fez um desabafo a este educador, dizendo que queria estudar, queria melhorar de vida, mas que nenhuma escola aceitava sua matrícula. E que ele, por não ter um diploma de escola formal, não conseguia um emprego melhor. Disse, finalmente, que achava humilhante ter que pedir esmolas para sobreviver quando poderia aprender uma profissão e ganhar seu próprio dinheiro”.

Diante dessa realidade injusta, os proprietários do Ginásio Catanduva decidiram aceitar sua matrícula, conscientes de que teriam pela frente obstáculos difíceis a serem derrubados.

Inclusive, em uma das visitas do Supervisor Regional de Educação, de nome Sarmiento, quando apareceu na escola para fazer uma de suas inspeções, e ao se deparar com o aluno cadeirante, lembrou aos dois irmãos que a Constituição em vigor proibia que pessoas com deficiências cursassem o ginásio.

De acordo com Angela, o mesmo supervisor “(...) alertou-os de que seria um fator negativo despertar no aluno a esperança de ingressar no ginásio, quando todos sabiam que isso não era possível, e que nenhuma Delegacia de Ensino iria abrir uma exceção para aquele aluno. E ainda que os irmãos Além corriam o risco de ter sua escola interditada pelo governo, caso o aluno passasse no curso de admissão e fosse matriculado no ginásio”.

Mesmo diante dessas colocações, Dr. Pedro insistiu para que o aluno continuasse estudando no local, já que a lei não proibia que ele fizesse o curso de admissão, e posteriormente, veriam o que era possível ser feito.

A aceitação

Terminado o curso de admissão, o aluno considerado “deficiente” passou no exame e se matriculou no ginásio.

Com esse resultado, Pedro Além deu início a elaboração de um documento, que seria enviado para o Ministério da Educação, para defender sua proposta de inclusão desse aluno cadeirante na escola normal. Para isso, Dr. Pedro sugeriu que fosse modificado um item da Constituição de 1937, em vigor na época, que proibia as pessoas portadoras de deficiência física de cursarem o ginásio e colégio em uma escola normal, por serem impossibilitados de frequentar as aulas de Educação Física e Trabalhos Manuais.

Com o texto pronto, Pedro Além Júnior enviou ao Ministério da Educação, na cidade do Rio de Janeiro, capital federal na época, e ficou aguardando os acontecimentos.

Somente quatro meses depois de o aluno já estar frequentando o ginasial é que chegou a resposta ao Dr. Pedro, comunicando a aprovação de sua proposta.

Porém, a aprovação só foi publicada anos mais tarde, com a devida alteração feita na Constituição, oferecendo “(...) atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Até aquele momento, os portadores de necessidades especiais de todos os tipos, inclusive os de necessidades físicas, só tinham acesso ao ensino por meio de instituições particulares especializadas em cada dificuldade específica, ou por professores particulares.

Constituição de 1937

Se por um lado, a Carta Constitucional de 1937 afirmava garantir a igualdade de condições para o acesso e permanência da escola e a liberdade de aprender a todos, em seu artigo 131, em contrapartida, apresentava o grande causador da exclusão dos deficientes físicos do ensino formal da época, constando o seguinte texto: “A Educação Física, o Ensino Cívico e o de Trabalhos Manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência”.

Dessa maneira, a obrigatoriedade da frequência de todos os alunos, sem exceção, às aulas de Educação Física e Trabalhos Manuais, vinculada ao recebimento do diploma, excluía, novamente e automaticamente, os portadores de necessidades físicas do sistema formal de ensino.

Defendendo o acesso à educação como direito a todos, Dr. Pedro Além Jr. defendia a mudança do texto constitucional, como mostra o seguinte trecho a seguir:

“(...) ou todos os cidadãos têm os mesmos direitos, portadores ou não de deficiência física, ou a Constituição se torna preconceituosa ao vetar essa parte da população o direito de estudar e receber um diploma por seus estudos, por não poderem frequentar as aulas de Educação Física ou de Trabalhos Manuais. Ao agir assim, a Carta Magna os exclui também do direito a ter um emprego digno (garantido pela lei), que só podem alcançar se puderem obter um diploma do sistema formal de ensino”.

Passados alguns anos, a Carta Constitucional passou a conter o seguinte texto: “(...) III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”. Estava garantida, pelo menos no papel, a tão buscada inclusão. (Continua na semana que vem).

Fotos:

Em 1942, Dr. Pedro Além Júnior elaborou documento solicitando ao Ministério da Educação a possibilidade de um aluno cadeirante poder cursar o ginásio em classe regular no Ginásio Catanduva, recebendo a aprovação de seu pedido meses mais tarde

Ginásio Catanduva e Escola Técnica do Comércio de Catanduva no ano de 1946. De início, funcionou por alguns anos na rua Brasil Nº 1073 e 1089 (foto), entre as ruas Aracaju e Recife, no local onde hoje se encontra a loja Intercouros

Interior de uma sala de aula no Ginásio Catanduva, em 1948, quando este ainda funcionava na rua Brasil, entre as ruas Aracaju e Recife

Dr. Pedro Além Júnior e Cândido Pedro Além, na quadra do Ginásio Catanduva, de qual eram proprietários. A foto, datada de junho de 1946, mostra ao fundo o prédio da Casa da Criança Sinharinha Netto

Autor

Thiago Baccanelli
Professor de História e colunista de O Regional.