Troco

Troco as buzinas disparadas e os alarmes estridentes pelos sinos que anunciam e badalam o transcendente.

Troco o V8 do carro possante pelo cavalo caminhante, trotando elegante como quando marchava às gentes.

Troco as ficadas de balada com tantas moças carentes pelo altar silente que me dará a mulher pura ofegante.

Troco a taça de cristal do mais caro dos restaurantes pelo fogão à lenha que construiu meu bisavô viridante.

Troco as notícias dos sites, nestas internets alienantes, pelo livro de página amarela no sítio quieto dormente.

Troco os quatro cãezinhos sofrendo alergias doentes pelas dúzias de cachorros correndo no mato contentes.

Troco o filho único solitário aprendendo física ausente pelas três meninas e pelos dois meninos lendo cientes.

Troco tudo, toda a glória da civilização dos continentes pela natureza assente duma família livre e consciente.

Troco cada parafernália, invencionice e pus atraente pela terra, pela água, pelo ar, pelo fogo dos inocentes.

Troco, mil vezes troco, cada falso prazer delinquente pelo gozo permanente de ser gente almal no imanente.

Troco o concreto armado de cinza em linhas incipientes pelo traçado original dos tijolinhos vermelhos fulgentes.

Troco a idéia oca de igualdade materialista e demente pela sã hierarquia de cada coisa em seu lugar potente.

Troco o estrondo do relógio que acorda maquinalmente pelo canto dos sabiás piando seus hinos normalmente.

Troco a pressa das paixões que avassalam etereamente pelo amor que se constrói assim lenta e serodiamente.

Troco os diplomas das novas disciplinas putrefacientes pelo pergaminho que a Sócrates condenou repelente.

Troco a teologia dos clérigos sem a fé de antigamente pela oração daquela velhinha de véu e olhar vidente.

Troco, troco já, só não troco o meu eu intransigente por qualquer outra anomalia à maioria conveniente.

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor