Três dimensões da criatividade
A compreensão da criatividade não é consensual entre os estudiosos. A complexidade do tema engloba uma interação dinâmica entre fenômenos fisiológico-ambientais, psicológicos, socioculturais e históricos, que devem ser elaborados, não apenas pela análise dos processos da criatividade em si, como também pelo estudo crítico da recepção de seus produtos, passível de ser tocada, inclusive, por interferências mais ou menos casuais.
Genericamente, entretanto, se julga que a criatividade consiste na faculdade de criar algo original, própria a todo ser humano. Coisa semelhante afirmou, em viés jocoso, o gravurista Eric Grill: “o artista não é um tipo diferente de pessoa, mas toda pessoa é um tipo diferente de artista”.
Não que a criatividade seja fator exclusivamente artístico. Longe disso. O psicólogo Ellis Torrance concebeu o sujeito criativo como aquele que percebe lacunas ou elementos perturbadores, cria hipóteses para o problema, testa-as, participa os resultados e, finalmente, aprimora processos e soluções. É curioso como essa definição de criatividade é próxima à de método científico. Funciona, de fato, quase que como uma descrição da criatividade de tipo científico. O que ressalta aqui é o aspecto cognitivo da criatividade.
Já o escritor Gianni Rodari propôs uma definição de criatividade que se associa mais facilmente à arte. Para ele, operações mentais criativas afrouxam a gravata do pensamento convencional, conectam ideias díspares ou aparentemente dissociadas e integram dados diversos. Rodari entende a criatividade como uma combinação de inteligência e fantasia, o que resulta em um espírito fecundo, apto a transformar o universo social e político, liberando-o de opressões e injustiças. Insinua-se em Rodari, mais claramente do que em Torrance, a ideia de um potencial ético positivo da criatividade, o que obviamente não deixa de sugerir, em negativo, a existência de ideias ou ações engenhosas, criativas, que se orientam pela tirania ou pela perversidade.
Por fim, a também psicóloga Cleusa Sakamoto chama a atenção para o papel das emoções no ato criativo. Segundo ela, a criação só acontece se houver comprometimento afetivo, abertura mental para o outro, o diferente, o desconhecido, de maneira que eles possam integrar-se na nova descoberta. Essa incorporação da alteridade apontaria, mais uma vez, para uma dimensão ética positiva do ato criativo.
Em síntese, criatividade é conceito complexo que envolve perspicácia, razão, método, compartilhamento de resultados e aprimoramento constante (Torrance); inteligência, fantasia e, potencialmente, renovação e libertação social (Rodari); afetividade e receptividade à diferença (Sakamoto). A relevância do fenômeno é indiscutível. Conforme ensina outro dito jocoso, de autoria incerta, “onde todos pensam a mesma coisa, ninguém pensa grande coisa.” Vale dizer, em uma época repleta de redes de massificação, o trabalho e o esforço diário de mentes positivamente criativas tornam-se uma fonte preciosa de esperança para nós.
Giselle Bueno
Doutora em Letras e docente da UniPaulistana
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