Tirando o atraso

Acho graça quando ouço uma pessoa dizer que tira férias para desligar e recarregar as energias. Comigo é muito diferente. Se fosse para seguir certos roteiros, eu pioraria. Eu tenho às vezes até um certo peso na consciência. Sinto-me um “E.T.” perto de certos amigos e diante de certos programas.

Tem a turma da pescaria. A única vez na vida que o fiz, foi aos sete ou oito anos, no córrego Moinho, lá em Andradina. Consegui pescar um lambari. Não sei como. Nunca mais peguei gosto pela coisa. Meus amigos do ramo, dividem o ano em duas partes: seis meses antes da pescaria onde só discutem iscas, carretilhas, barcos, a viagem e outros preparativos. E seis meses depois da pescaria onde ficam se gabando dos peixes que fisgaram, o trecho do rio que só pirangueiro conhece e os “causos” engraçados da viagem. Ficaria cansado em qualquer fase da aventura: ida, pescaria ou volta. Se tem tanta gente que gosta e eu não, possivelmente o problema é comigo e não com eles.

Tem aquelas viagens para locais supostamente paradisíacos. Atualmente, todos os destinos se profissionalizaram. Existem aqueles passeios para praias distantes, onde você tem que sair cedinho, gasta quatro ou cinco horas para chegar ao local ouvindo um guia tagarela. A ideia é você tomar sol escaldante na praia, almoçar num restaurante conveniado e depois viajar de volta por mais quatro ou cinco horas intermináveis até o hotel onde chega bem tarde. Após o terceiro dia fazendo isso, eu fico tão quebrado que prefiro o sossego. E não ir a lugar algum. Muitos gostam do passeio. Então, certamente o problema é comigo.

Tem ainda os programas perigosos. Ir para locais inóspitos. Coincidência ou não, a única vez que eu fiz isso na vida, tive uma hemorragia digestiva. Quando perguntei de um hospital, os locais cerraram o cenho. O mais próximo ficava na capital do país. Bem longe. O que tinha era uma farmácia a 40 quilômetros. Fui lá. Eram duas da manhã. Quando tive acesso aos medicamentos, pensei que ia morrer. As caixinhas estavam todas no idioma local. Só que naquele dia, eu bendisse as multinacionais farmacêuticas. As embalagens eram iguais às do Brasil. Consegui juntar algo para sobreviver. Como esses lugares ficam lotados de turistas, o problema com certeza é comigo.

Das férias, tenho uma visão peculiar. Dá tempo para fazer faxinas no meu escritório. Saio mais com os amigos. Coloco em dia tarefas muito atrasadas. Leio livros que estão me esperando há tempos. Isso tudo me faz bem. Falei sobre isso ainda hoje com uma pessoa que admiro. Para viajar, associo passeios a congressos. Chego alguns dias antes para conhecer o lugar. Se é para desligar, viajo sem celular. Lembrete: os problemas estarão no mesmo lugar quando voltar. É torcer para não voltar cansado. Melhor ainda se voltar inteiro!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.