The Bear

Aos trinta e poucos anos, saltar de uma carreira premiada na alta gastronomia para ir trabalhar num restaurante que está endividado e que serve sanduíches em Chicago só pode ser uma decisão que tem por trás um idealismo, uma resolução de conflito ou algo que envolva laços fortes. Quem tomaria uma decisão destas quando tudo está “teoricamente” dando certo em sua vida?

Carmen Berzatto muda sua vida quando seu irmão mais velho lhe deixa um restaurante de herança diante de uma situação triste que faz momentaneamente tudo parar.

O melhor chef do melhor restaurante dos EUA passa a cuidar de seu novo empreendimento, uma lanchonete desorganizada e cheia de problemas funcionais.

Ao mesmo tempo que tenta resgatar memórias, reconstruir a convivência entre os funcionários e de sua própria identidade irá mexer em lembranças e em sua rotina.

A série da Star +, The Bear que ainda está em curso consegue falar de forma leve sobre como um homem lida com o luto, misturando sua dor no frenesi de uma cozinha profissional em busca de uma relação que seja mais igualitária, menos abusiva e que envolve aprender a trabalhar em equipe e sobretudo revisitar seu ego e sua fúria.

Dono de várias Estrelas Michelin ele não quer mais gritarias no seu ouvido e muito menos competição entre colegas, e os funcionários que já trabalhavam com seu irmão serão surpreendidos pelas ideias de Carmen Berzatto, um personagem acostumado ao clichê “sim chef”, a muita gritaria e a silêncios que são atravessados por bate-bocas completando cenas de um perfeito caos.

The Bear acerta quando coloca um personagem principal amável e que visivelmente não sabe se expressar, fazendo dele um tipo acessível, um bom amigo que não sabe demonstrar o quanto sua atuação é sólida, expressando sua vulnerabilidade quando consegue traduzir com tanta clareza seus conflitos.

Trata-se de uma série jovial que fala das relações entre pessoas e como as mesmas vão se reinventando em meio as dores e conquistas da vida, nos sugerindo uma profunda reflexão de que nada nunca está pronto e é eterno, mostrando uma realidade efêmera que fala de luta e sobretudo de uma classe que trabalha duro para sobreviver, nos fazendo pensar que ao mesmo tempo que ele tenta salvaguardar a imagem de seu irmão falecido, suas memórias e maneira de ser entrarão para o escopo de sobrevivência que ainda lhe restam. The Bear serve como uma metáfora itinerante para pensarmos nas coisas que amamos e que ao mesmo tempo nos machucam.

Assistam!

Música “Tezeta” (Nostalgia) com Mulatu Astalke Ethiopiques.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br