Tempestades de Verão
Na contemporaneidade nos deparamos com as mudanças climáticas diante de uma natureza que grita aos nossos olhos, exausta.
Mudamos rotina, percurso, tempo, horários, trajetos, férias, quase sempre paralisados frente a este mal estar ambiental, expostos a situações onde o nosso “eu” fica carregado de sentimentos desordenados, e experimentamos o desamparo como única certeza.
O desamparo é uma categoria afetiva fundamental do mal estar, uma condição estruturante do psiquismo, importante para a construção da subjetividade humana e para a vida social, um sentimento que nos ajuda entender o que nos falta e quais foram os danos.
A pouco tempo atrás era impensável vivencias climáticas deste tipo, e mais do que do ponto de vista corpóreo, estamos impregnados por fantasmas decorrentes de uma intolerância subjacente.
Fadiga, medo, excesso de calor, alagamentos, desmoronamentos, tudo em estado de alerta, sem saber qual será a estação do amanhã. Despreparados, nos sentimos desamparados para enfrentar uma natureza que nos dá sinais claros dos abusos que coletivamente cometemos com ela. Um “eu” que não é senhor nem em sua própria morada, precisando existir um “outro” em nós com determinação inconsciente para ser capaz de construir ou detonar o meio, ou seja, em qual direção tomarmos, as sequelas serão sentidas por todos diante da constatação ou não de uma realidade coletiva que implica a percepção de laços sociais e de uma sociedade que não vai construir existência sem olhar ao redor, quando constatamos o quanto nossas atitudes ou banalização delas comprometem a todos e a natureza, nas peculiaridades que envolvem indivíduos e que afetam a condição humana.
Na perspectiva da psicanálise, esta fenda existe e demonstra o quanto precisamos do outro para existir, assim como as consequências de nossas ações elucidam os estragos de não olharmos as próprias atitudes quando pensamos no meio ambiente, nos rios, mares, na fauna, flora, floresta.
O mundo está de cabeça para baixo, nos dando sinais de um desequilíbrio que padece pela falta de ordem. São aqueles lixos que não recolhemos movidos por uma ganância de prazer sem considerar a realidade, são as guerras, o aquecimento global, enfim, uma falta de coesão que tanto afeta a nossa saúde mental e que estará presente no futuro de nossos descendentes como pagamento da nossa ignorância e do quanto nos calamos, o preço de um silêncio e ausências.
Em Psicologia das Massas 1920, Freud diz que não há separação entre o coletivo e o individual, ou seja, não existe uma vida que não seja coletivizada em algum nível, atestando que o sujeito é dividido em afetos que são somente seus mas que se unem pelo que vem a partir do discurso do outro: nada é mais político do que as relações estruturadas pelas questões socioambientais, o que nos leva a pensar num inconsciente destrutivo quando analisamos a crise ambiental onde nos encontramos.
Quem e o que destruímos quando estragamos o nosso planeta? Qual é a nossa posição diante disto?
Sofrer com o calor e os alagamentos é mera consequência de um mundo órfão, de alguém que não o cuidou.
Portanto, refletir e pensar o sofrimento humano é pensar no físico, psíquico, ambiental, ou seja, em tudo aquilo que nos afeta, nas dores individuais e coletivas.
Estamos diante de um colapso climático que não é mais previsão, mas uma lamentável realidade fruto da ignorância, do egoísmo, do efêmero, tendo do outro lado a reparação como possibilidade que viabiliza transformar o sentimento de desamparo em algo possível, à medida que nos damos conta desta experiência, entendendo sua lógica, e se fornecida por um olhar de dor que encontra um caminho possível, transformada a partir da experiência subjetiva, em força.
Música “Dans mon ile” com Henri Salvador.
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