Sou amado, logo existo

Dois são os motivos por que estou contigo: porque te amo e porque não tolero perder-te. Meu amor acabou e por isso só resta o outro motivo. Não suporto imaginar-te em outros braços, teu rosto relaxado depois de fazer amor, que rias do mesmo modo que fazes comigo. Só de pensar, estremeço. Missionário de uma causa medíocre – cuidar para que ninguém se aproxime – pergunto-me se além disso quero alguma coisa de ti. Por que motivo não tolero perder-te? A resposta é simples – outro a teu lado me reduz a nada. Então, só te necessito para que teu ser garanta o meu e perder-te é, de alguma forma, perder-me. Estranho pacto; por que o firmei? Sinceramente não sei, como também ignoro quando vai acabar.

Saber que a pessoa amada nos deixa por outra é uma das sensações mais dolorosas que um ser humano pode sentir. Todos já passamos por isso e é mais fácil recordar do que descrever. Não se trata de simples separação ou morte; o ciúme é mais grave que o simples abandono. Diz-se que os amantes tem uma relação narcisista, ou seja, se olham embevecidos, assim como Narciso que, fascinado com sua própria imagem, se afogou no lago. Também eu me observo no espelho dos olhos do outro e vejo, simultaneamente, a mim e o outro. Se minha amada não me vê – porque está olhando para outro – o espelho não me reflete, ficando vazio meu lugar.

Há alguns anos, um avião caiu na selva e dois bebês sobreviventes foram alimentados e criados por lobos. Encontrados tempo depois, constatou-se que não falavam e andavam de quatro, emitindo também sons típicos da espécie animal, reconhecendo-se como lobos. Assim, se quem os amou foi um lobo, são eles também lobos, porque o ser é resultado do amor e da dedicação que, nesse caso, esses animais tiveram com as crianças. A essa altura da vida, se a generosa loba se ocupasse de outra cria, o pobre bebê não estaria, hoje em dia, como está, saudável, desenvolvendo-se normalmente, ou seja: o amor, em um momento da vida, é essencial. Perdê-lo é mortal e sempre se perde por causa do outro. Neste sentido, o ciúme é uma transferência a esse instante fundamental da vida, quando dependemos do amor da “mamãe loba” para sobreviver. Quanto melhor elaborarmos essa dependência infantil do outro, mais autônomos conseguimos ser e sentiremos, então, menos ciúmes.

Construímos uma identidade calcados no cuidado e no afeto. Como resultado dessa construção, resta uma interdependência intensa entre amor e ser. Em situações extremas, quem não conseguiu autonomia suficiente somente pode ser amado.

A estrutura do ser humano é parecida com a dos metais, principalmente o ferro, que tem uma forma estável e para modificá-lo é preciso levá-lo a altas temperaturas. Nosso ser, depois de fabricado na infância, também é estável na vida adulta e para modificar-se deve estar bem quente. As paixões ardentes funcionam como um alto forno capaz de modificá-lo. Há quem se derrete por amor e, uma vez derretido, adquire a forma da pessoa amada. Deixou sua identidade para assumir a outra. Mas essa mesma dissolução é perigosa quando o amado nos abandona, porque ficamos perdidos, sem referência e sem forma. Tornamo-nos estranhos a nós mesmos e é nesse sentido que o ciumento não só está preocupado em recuperar seu amado, mas também em reencontra-se, pois perdeu o espelho no qual se reconhecia.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp