Sobre pássaros e morcegos

Tem uma velha questão com a qual eu me deparo sempre: “quer ser o melhor da classe ruim ou o pior da classe boa”? A primeira situação leva a uma posição confortável. Frequentemente quem está nesta posição, seja um indivíduo ou uma instituição, tende a se fechar e a se bastar. Comparar-se com algo que é pior massageia o ego e alimenta a vaidade. Faz com que todos durmam felizes e satisfeitos. É comum adquirir o vício da autoproclamação, do autoelogio e principalmente, o de se autoenganar. Já quem opta por pela segunda situação, o de ingressar num grupo onde só tem pessoas ou instituições melhores, mesmo sendo o pior colocado e vivendo sob constante pressão, vai melhorar. Os melhores o “puxarão” para cima, ainda que eles sejam inalcançáveis. Por exemplo, no meu ramo de atividade, o universitário, será praticamente impossível eu alcançar uma universidade europeia com centenas de anos de existência. Mas com certeza tenho muito a aprender com eles e melhorar o meu trabalho.

No xadrez, esporte que pratico desde criança, isto é um pressuposto básico. Você piora seu desempenho se ganhar de jogadores ruins e melhora seu desempenho se perder de bons jogadores.

Existe uma frase, que expressa algo parecido. É a famosa “diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és”. Alguns já disseram que está na Bíblia. Não está. Tem versículos com ideias discretamente semelhantes, mas não textualmente iguais. Outros atribuem ao filósofo grego Sócrates. Eu achava que era proveniente do filósofo grego Aristóteles. De qualquer forma, a frase expressa a ideia de que se você caminhar com pessoas boas, você se tornará bom. Caso opte por caminhar com pessoas ruins, se tornará ruim.

Não se trata da “síndrome do vira-latas”, enunciada pelo jornalista, escritor e teatrólogo Nélson Rodrigues, e se considerar inferior por ter uma baixa autoestima. Mas sim de ter a humildade de primeiro reconhecer suas limitações. Sim, é preciso ser honesto consigo para reconhecer que existem pessoas ou instituições melhores. Depois, procurar quem ou o que é referência no assunto ou no setor. E ter a coragem de aprender. É preciso desprendimento para observar, escutar e aprender. E muita força de vontade para resistir à tentação de viver numa confortável bolha de autoengano. Essas bolhas são bem características. Primeiro, sufocam-se as críticas. Eliminada a ameaça do contraditório, homogeneízam-se as opiniões. Logo, o discurso se radicaliza e o nível cai.

Não me faço de rogado. Tenho os meus “gurus”. Os dos livros, que são de mundos distantes, e os de carne e osso, com quem eu procuro conviver o máximo possível, nem que seja para tomar um cafezinho de vez em quando. É só uma questão de referencial. Afinal, passarinho que anda com morcego, começa a dormir de ponta-cabeça!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.