Sinto muito

Quando a gente erra feio com alguém e pede perdão, a frase que mais começa e encerra nossos discursos de penitência é “sinto muito!”. Sinceramente, nunca ouvi alguém dizer “penso muito!”. Esta situação de escolhas terminológicas quer dizer muita coisa acerca da nossa psicologia básica. Sobretudo, demonstra nosso sistema de valores e medidas existenciais. Por que sentir costuma ser mais importante do que pensar? Por que, aparentemente, a razão fica em segundo plano enquanto a emoção é privilegiada em nossas decisões?

A discussão é antiga. Filósofos de academia e de boteco fazem suas apostas, amigos e amigas aconselhando amigos e amigas (geralmente, quanto a relacionamentos amorosos) têm suas opiniões e você e eu, também, já ficamos presos na suposta balança cérebro-coração. Por que o “sangue quente” é mais forte? Por que o afloramento das sensações químicas detém mais poder sobre nosso sistema decisório, embevecendo nosso córtex? Por que o impulso passional, para o bem ou para o mal, nos cavalga em rédea curta enquanto a lógica, coitadinha, abre seu PowerPoint mental, apresenta todas as suas equações do porquê disto e do porquê daquilo e, então, quase sempre, perde o jogo?

Creio que o fator primordial que tensiona este “cabo de guerra” consiste simplesmente em acreditarmos nessa falsa dicotomia. Afinal, quem disse e provou que o sentimento não é, em certa medida, racional? Quem? É um clichê (com força de dogma) dizer que na vida temos apenas duas vias: de um lado a objetiva razão fria e calculista, do outro a subjetiva emoção exuberante e apaixonada -- em luta e contradição. E é um clichê falso cuja força, repito, está na crença. Uma crença que, por ser mera crença, abdica da autovigilância, da autocompreensão, do autoconhecimento.

Blaise Pascal parece ter resumido a questão com este belo aforismo: “O coração tem razões que a própria razão desconhece.” Com simplicidade, está dito que muitas das vezes nossos sentimentos se baseiam em razões que ocultamos de nós mesmos. Em linguagem psicanalítica, pode-se perfeitamente dizer que recalcamos certos pensamentos em detrimento de outros. Os pensamentos que acatamos permeiam o consciente (aquela voz burocrática que aparece planilhando argumentos no PowerPoint); os que escondemos, vão para o porão do inconsciente e afloram por meio de nossas ações mais irrefletidamente naturais e instintivas, que são as de base emocional.

Há razão no sentimento e, bendita reviravolta, há sentimento na razão. Tanto um quanto o outro podem ser falsos ou verdadeiros, devaneantes ou realistas. Afinal, ambos estão em simbiose

permanente. Estão profunda e umbilicalmente conectados. A pergunta que fica é: pode haver um bom meio termo, um ponto de equilíbrio que nos permita enxergar as coisas mais como elas são do que como nós gostaríamos que elas fossem? Sócrates tem a resposta: “Conhece-te a ti mesmo!”

Autor

Dayher Giménez
Advogado e Professor