Ser da paz

Convivência pede acordo. Quem tem eventuais vantagens relativas no convívio tem mais responsabilidade de estabelecer os ajustes necessários para o consenso. Qualquer maneira de vida em comum tem suas vantagens e apresenta seus custos. Na sociedade brasileira, alguns têm excessivas vantagens no gozo do que o Brasil oferece de bom. O egoísmo no gozo dos prazeres nos tem trazido custos elevados.

Somos uma sociedade por demais desigual. Desigual economicamente, e, por decorrência, desigual em tudo o que depende de recursos. Objetivamente, dispomos de poucas coisas não pagas. Somos, pois, desiguais no acesso aos prazeres e mesmo às necessidades. Há quem não tenha nada. Não sei se é percebido, mas há brasileiros que nunca puderam ir ao cinema, ou tiveram o suficiente para comprar um sorvete.

Ou nos rearranjamos, ou nos vamos arrastando sofregamente. Uma parte da sociedade, a rica, se pôs de costas para a outra, a pobre. Os ricos são muito poucos, mas detêm poder de sobra. Os pobres são muitos, mas não são articulados, restando sem capacidade sequer para propor seus interesses, muito menos para exigi-los. Os ricos, por deterem os meios, têm o encargo de refazer as condições sociais de convívio.

Sistemas têm custo. Nas fazendas do Pantanal há onças. Onças comem gado. Matam-se onças. Simples, no início. Então, proliferaram animais da cadeia alimentar do felino. Estes animais comem pasto e o que mais se plante. Eliminar onças restou em prejuízo. Hoje se as criam, para restabelecer o equilíbrio. Fazendeiros sensatos contribuem com algumas rezes para alimentar o bicho, tornando o sistema sustentável. Faz parte.

Os ricos do Brasil têm medo de circular no espaço público. Nos melhores bairros, a parte abastada da sociedade vive sob estado de sítio. Protegida por guarda privada armada, vive sob o cerco de seus “inimigos”, os pobres. Mas os pobres são muitos, e uns tantos espreitam nas esquinas. Querem – e é legitimo o seu querer – um pouco. Do que? Ora, das coisas boas do mundo, as coisas que todos queremos.

Que fazer? Sem idealismos salvadores, nos limites da voz e no alcance das mãos, interferir. A situação dada das relações sociais é relação de poder estabelecida historicamente; é modificável, pois. E é justo fazê-lo. Quem não quiser protagonismo, que contribua com quem se presta a tanto. Já há quem esteja em trabalho ativo. Deparo-me com matéria promocional do Instituto Sou da Paz (soudapaz.org/). Que faz? Como atua?

Edito sua apresentação: Identifica os focos de violência e escolhe em quais vai atuar; faz diagnóstico de causas e impactos; por meio de campanhas, dá visibilidade ao problema, para mobilizar a sociedade e pressionar as autoridades; em conjunto com governantes e especialistas em segurança, propõe novas soluções práticas; ajuda a implementar e acompanha os resultados das propostas de solução.

Não é uma entidade piegas; prioriza metodologias, objetiva eficiência. “Partindo de diagnósticos que possibilitam conhecer a fundo as dinâmicas de violências, o Sou da Paz defende e coloca em prática um modelo de segurança pública sistêmico: que considera ações para prevenir a ocorrência de situações e o que deve ser feito pelo aparato de segurança pública e justiça criminal para responder a estes casos”. Ademais, é transparente.

Esta organização, com seu método e seus resultados (divulgados), tornou-se referência em segurança pública no mundo inteiro. Se contar com mais recursos materiais, terá incrementada a sua capacidade de programar novas soluções de apaziguamento. Isso é de interesse de todos e de cada um. É simples acessar o site e fazer alguma doação. Mais simples do que indicar um culpado para expiar responsabilidade.

A melhor contribuição é a cidadã, que tem natureza ética. Ética no sentido de um imperativo de dever ser imposto a si mesmo. Mas vale a ajuda interesseira. Explico: se não me importa a cidadania, mas quero viver em paz e tenho meios, é inteligente “comprar” essa condição. Então, eu pago um tributo à minha sociedade (sistema), dou uma parte(zinha) dos meios do meu conforto para colaborar com o direito de conforto geral. 

 

Léo Rosa de Andrade 

Doutor em Direito pela UFSC, psicanalista e jornalista

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.