Sentir não depende do outro

Recentemente, um paciente perguntou sobre uma situação comum a muitas pessoas. Ele saíra com uma garota, foram dançar forró. Dançaram muito juntos, sentiram seus corpos atritarem um no outro. Ele a beijou, mas não sentiu aquela sensação de paixão que gostaria de ter sentido. Então, ele perguntava: o que a outra pessoa precisaria fazer para que ele a percebesse como alguém mais sensual, tivesse mais desejo, mais envolvimento e mais prazer?

O que pensou logo depois do beijo é que talvez a moça não fosse tão bonita assim... Ou quem sabe ela não fosse tão experiente, por isso não sabia beijar. Quem sabe ela não soubesse ser envolvente, ou erótica. Mas ele já experimentara ficar com várias pessoas na vida e ainda estava atrás de alguém com quem viesse a desejar compartilhar a vida e construir uma família.

Esta é uma questão que muitos clientes casais nos trazem, na busca de restabelecer um relacionamento a dois.

Falam em “crise dos dois anos”, ou dos sete anos. Passam a justificar o impasse pessoal com um evento pretensamente universal e preestabelecido. Assim, muitos não assumem as responsabilidades sobre o relacionamento a dois, e nem mesmo a possibilidade de solucionar por si próprios os problemas conjugais.

Como uma sensação boa, carregada de emoções positivas, pode surgir num beijo, num afago, num carinho? A maior parte das pessoas, automaticamente, coloca no outro a responsabilidade por fazer essas sensações e emoções surgirem. E este paciente veio dizendo exatamente isso: “Ela não deve ser do tipo que me faz sentir essas emoções, esse desejo, essas sensações boas”.

Retruquei imediatamente: mas, afinal, o que ele tinha feito para sentir o que desejava sentir?

Na mesma situação, muitos vão argumentar: “Nós não controlamos nossas emoções, não somos responsáveis pelo que sentimos, ou não sentimos algo só porque queremos”. 

O fato é que talvez não seja tão automático assim, mas existe algo que merece atenção: o que estamos fazendo para perceber as sensações internas e os estímulos externos que nos causam estas emoções?

Aquele homem, sentado à minha frente, parou para pensar e começou a perceber que ele estivera por décadas esperando uma pessoa que o fizesse sentir-se apaixonado, envolvido, emocionado. Ficara parado, esperando a emoção chegar pronta e por conta própria. Por isso não sentira nada naquele beijo.

É preciso assumir essa certeza: nós é que produzimos o que podemos sentir. O primeiro passo é assumir a responsabilidade de que podemos produzir o que sentimos. O segundo é dar-nos a oportunidade de experimentar, de vivenciar várias vezes para construirmos o caminho das sensações e percebermos onde se encontram. A ação em direção aos nossos objetivos é um ponto primordial a ser buscado. Não sentiremos nada de especial se não estivermos buscando. Não é o outro o responsável por nos dar sentimentos prontos que então adotaremos como nossos.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp