Sendo Mulher

O dia da mulher surgiu num contexto de luta por melhores condições de vida, de trabalho, e pelo direito ao voto. O voto foi conquistado, mas tanto na política quanto em outros contextos da sociedade ainda há um grande caminho a percorrer.

Desde que nascemos enfrentamos algumas batalhas que nos diferenciam dos homens: ciclo menstrual, gravidez, parto, amamentação. Estas situações movimentam a vida das mulheres de uma maneira definitiva e individual, sendo quase impossível estabelecer uma regra que caiba na individualidade de cada uma, assim como traduzir aos homens do que estamos falando.

Freud fez nascer a psicanálise através do seu desejo de escutar as histéricas falarem da repressão na tentativa assertiva e iluminada de diminuir o sofrimento delas, numa época em que as mulheres não tinham voz e falavam de sua dor através de sintomas corpóreos, numa desistência exaustiva e desesperada do ato de pensar, jogando para o corpo sua “chaga” contorcendo sua dor.

Sua descoberta mudou a história da humanidade oferecendo a mulher o direito de falar para melhorar o seu sintoma, e marcou a feminilidade como um enigma ao escrever a famosa frase: “mas afinal, o que querem as mulheres?”, sendo esta a questão que orientou a busca em descobrir a origem do sintoma: "o que é uma mulher?”.

Lacan disse que "a mulher não existe", e apesar do alvoroço que esta frase causou, ele quis dizer que a feminilidade não existe, ela se inventa em cada um de nós.

O que devemos fazer então para que uma mulher consiga ser uma mulher?

Ser mulher ou homem é resultado de um posicionamento na partilha sexual trilhado a partir da travessia do édipo e na relação do sujeito com o espelho, com o olhar do outro e com seu próprio olhar sobre si e seu corpo, e não está relacionado com ser feminista e muito menos machista. É ter o direito de escolher, de manifestar opinião, de trabalhar fora ou dentro de casa ou nos dois, de ser mãe ou não, crocheteira ou não, executiva ou não, esposa ou não, e principalmente ser reconhecida em sua individualidade sendo ouvida e aceita, podendo viver sua totalidade existencial.

Sendo assim, se o dia 8 de março é o dia de levar a sério a pergunta: o que é uma mulher? A tal pergunta do tempo das histéricas... O dia da mulher deveria existir para nos lembrar que ainda temos muito a conquistar numa sociedade que explica o estupro pelo comportamento da mulher ou pelo tamanho de sua saia, que remunera mais homens do que mulheres pela mesma função, e que naturaliza a liberdade sexual dos homens e menospreza a sexualidade feminina rotulando como uma mulher deveria ser e se comportar.

Não podemos confundir os homens com o machismo, embora muitos homens tenham um machismo de raiz em seus posicionamentos, é necessário mencionar que muitas mulheres também os têm, assim como muitos homens já não os tem mais.

Não faz sentido eliminarmos o ódio pela via de um discurso do ódio, e penso que os homens também sofrem com o machismo, tendo sua sensibilidade agredida no feminino que carregam dentro de si, e à medida que a feminilidade adere à cultura, homens e mulheres se beneficiam disso, num machismo que não é bom pra ninguém, e nem num feminismo reverso no discurso.

Portanto, que seja um dia de comemoração daquilo que há de feminino em homens e mulheres, e pela igualdade e diferenças que existem em cada um, tão necessário para acessarmos o outro.

O feminino produz enigma que volta e meia se encontra desarticulado da cultura, assustando por sua força, mas embelezando e estando presente em homens e mulheres, sendo necessário coragem para permitir que emerjam das cinzas da dor.

Devemos desejar respeito sem violência, sociedade sem estupro, e uma vida com boas escolhas!

Este texto foi escrito ao som da música “Espelhos d’Água, Patrícia Marx e Seu Jorge.

Autor

Claudia Zogheib
Psicóloga clínica, psicanalista, especialista pela USP, atende presencialmente e online. Redes sociais e sites: @claudiazogheib, @augurihumanamente, @cinemaeartenodivã, www.claudiazogheib.com.br e www.augurihumanamente.com.br