“Se toca”, velho!

Assisti a uma apresentação de uma jovem dupla de cantores há poucos dias. Cantam bem, são afinados, tem presença de palco, bom repertório para o gênero musical escolhido e interagiram com a plateia. Só que aconteceram dois problemas. Primeiro: começaram o show muito atrasados. Muitos hão de dizer-me que “é assim mesmo”. Eu sei que eu não moro nem na Suiça nem no Japão. Infelizmente a falta de pontualidade faz parte da cultura nacional. Atualmente prefiro não ir a um evento que vai ter atraso do que passar raiva.

O segundo problema foi a duração do show. Durou 90 minutos. Muito pouco para quem pretende uma carreira longeva no meio artístico. Bem ou mal, eu me acostumei com a métrica da indústria do entretenimento. O espetáculo deve girar em torno de duas horas. Menos que isso ou acima disso, só se for algo muito especial. Não era o caso.

Não gosto de ser negativo. Nem pensar em coisas ruins. Mas de tanto acompanhar e observar a trajetória de artistas dos mais variados segmentos, dá para imaginar quem será engolido pela divina comédia da fama. Faço uma analogia com a obra imortal de Dante Alighieri (Itália, 1265 – 1321), “A divina comédia” escrita entre 1304 e 1321. Lá, a sequência é o inferno, depois o purgatório e por fim, o céu. Na carreira artística, a ordem se altera. Primeiro vem o purgatório que é o sacrifício feito para se atingir o sucesso. Depois vem o céu, onde inebriado pela fama, vem o deslumbramento e as maluquices. Por fim, a maioria acaba no inferno do ostracismo e do esquecimento.

Se tomarmos como base os “vovôs” e as “vovós” da música, dá para se ter uma ideia do que é cuidar da carreira. Elba Ramalho (73), Simone (74), Djavan (75), Alcione (77), Alceu Valença (78), Maria Bethânia (78), Chico Buarque (80), Edu Lobo (81), Marcos Valle (81), Paulinho da Viola (82), Benito di Paula (82), Caetano Veloso (82), Gilberto Gil (82), Ney Matogrosso (82), Jorge Ben Jor (85), Michel Sullivan (74), Hermeto Pascoal (88), Alaíde Costa (88) e Tony Tornado (94). E o Rei (83). Dos estrangeiros, cito apenas Bruce Springesteen (75), Mick Jagger (81), Carlos Santana (77), Willie Nelson (91), Bob Dylan (83), Dionne Warwick (83) e o imortal Paul McCartney (82), cujo show dura três horas ininterruptas. Na última vez em que veio ao Brasil, fui num show da Rita Pavone (79). Começou no horário. Cantou e encantou sem parar um minuto. O guitarrista do conjunto “The Who”, Pete Townshend (79) cunhou a célebre frase “espero morrer antes de envelhecer”. Só que ainda continua a tocar.

Dá para escrever muita coisa sobre quem estragou a carreira por abuso de drogas e álcool. Preguiça é algo mais recente. Vida de artista é muito dura, cheia de percalços. Para sobreviver neste meio, tem que trabalhar muito. A velha guarda, que continua tocando, que o diga!

Autor

Toufic Anbar Neto
Médico, cirurgião geral, diretor da Faceres. Membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. É articulista de O Regional.