Saudades
“Saudade é sentimento que a gente cultiva com o regador para preservar o cheiro da terra encharcada. É bom deixá-la florescer, vê-la brotar como cachos de tomates desde que permaneçam verdes e longe da faca afiada. Nada tem mais açúcar que um tomate verde.”
Bartolomeu Campos de Queiroz em “Vermelho Amargo”.
Saudade é uma palavra que carrega dentro de si coisas boas..., mas difíceis de sentir. É quando sentimos falta de uma época, de alguém ou mesmo de algo distante que não pode ser alcançado e que teve em algum momento um lugar privilegiado dentro de nós... quando o pensamento encontra ausência naquilo que já foi vivido um dia.
Existe a saudade compartilhada e aquela que não ousamos contar a ninguém talvez por medo ou fantasia dela ser destruída em sua essência ou mesmo que alguém a roube ou a traduza de maneira equivocada.
Quando no texto “Romances Familiares” Freud fala da fantasia infantil, ele irá dizer que essa construção é expressão da saudade que a criança sente dos dias felizes do passado quando o pai lhe parecia o mais nobre e o mais forte dos homens, e a mãe a mais linda e amável das mulheres, uma saudade determinada pelo princípio do prazer e que consiste na tendência de o organismo buscar o prazer mesmo que, por vezes, tenha que se abster da realidade.
Neste lugar aparece como uma dificuldade de abandonar um momento prazeroso de uma época quando as coisas pareciam atender melhor, necessitando de luto para abandonar o objeto perdido, estando a partir de então em condições de buscá-lo em novos objetos que não consiste na tentativa de encontrar..., mas de reencontrar.
No processo de luto há um hiper investimento libidinal no objeto perdido para depois ser possível um desligamento do que foi investido, ou seja, naquilo que sentimos saudades, podendo encontrar o sentimento toda vez que o psiquismo constatar a privação do objeto na realidade.
Quem não sofre de saudade nunca poderá fazer luto e nem mesmo sonhar, sobretudo para se sentir capaz de desfrutar de novas convivências que no futuro também deixarão saudade.
O caráter único da palavra saudade esbarra na impossibilidade de ela ser traduzida em qualquer outra língua, descrita de forma precisa por Osvaldo Orico: “Nenhuma palavra traduz satisfatoriamente o amálgama de sentimentos que é a saudade. Seria preciso nos outros países a elaboração de um conceito que também amalgamasse um mundo de sentimentos em apenas um termo”.
Saudade é um testemunho de coisas boas que vivemos e que merecem ser lembradas, um modo singelo e significativo de amor.
Música “Minha Saudade” com Dominguinhos e João Donato
Foto do Acervo @claudiazogheib; @zogheibclaudia
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