Responsabilidade civil por expor e vender produtos com validade expirada
A proteção conferida ao consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente por meio do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constitui verdadeira conquista civilizatória, consolidando um regime de responsabilidade que privilegia a vulnerabilidade da parte mais frágil da relação jurídica. Em um mercado cada vez mais dinâmico e marcado por relações massificadas, torna-se imperioso que os princípios da boa-fé, da transparência e da confiança legítima sejam rigidamente observados pelos fornecedores, sob pena de comprometimento do próprio equilíbrio contratual. Nesse cenário, a exposição ou comercialização de produtos com prazo de validade expirado, ainda que aparentemente inofensiva por sua banalidade cotidiana, representa grave violação ao sistema protetivo instituído pelo CDC e enseja a responsabilização objetiva do fornecedor, em todas as suas dimensões.
A validade de um produto não se limita a ser mera referência técnica ou indicativo secundário. Trata-se de um instrumento jurídico de segurança, que vincula o fornecedor à obrigação de garantir a adequação do bem ao consumo dentro de um lapso temporal específico. A partir do momento em que essa data é ultrapassada, presume-se, de forma objetiva, que o produto se tornou impróprio, não sendo mais apto a circular no mercado. O art. 6º, inciso III, do CDC é claro ao estabelecer que o consumidor tem direito à informação adequada e ostensiva, e o prazo de validade é justamente uma das principais formas de materialização desse direito, por se tratar de informação que afeta diretamente a saúde e a segurança do destinatário final.
É inegável que a presença de produtos vencidos em prateleiras, mesmo que não consumidos, implica afronta direta ao art. 39, inciso VIII, do CDC, que proíbe a colocação no mercado de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais. Essa conduta, além de configurar infração administrativa, atrai a responsabilidade civil do fornecedor, com base na teoria do risco do empreendimento. Ainda que não haja ingestão do produto nem comprovação de dano efetivo à saúde, a mera exposição do consumidor a esse risco — e, mais ainda, a frustração da confiança depositada na regularidade da oferta — já constitui ofensa à dignidade do consumidor e justifica o pleito por reparação extrapatrimonial.
Importante destacar que a responsabilidade, nesse contexto, não recai apenas sobre o fabricante, mas também sobre o comerciante, que, nos termos do art. 13 do CDC, responde solidariamente quando não conserva adequadamente os produtos que expõe ao consumo. O dever de fiscalização é inerente à atividade comercial e não se exaure com a simples aquisição do item junto ao fornecedor primário. Ao contrário: cabe ao comerciante zelar pela integridade dos bens que disponibiliza ao público, mantendo vigilância ativa sobre prazos de validade e condições de armazenamento. A negligência nesse dever implica falha no dever de cuidado e, portanto, enseja responsabilização jurídica.
No plano reparatório, o consumidor que adquire produto vencido tem direito não apenas à devolução do valor pago, mas à restituição em dobro, conforme prevê o art. 42, parágrafo único, do CDC, desde que configurada cobrança indevida e ausência de engano justificável. Ademais, a jurisprudência majoritária tem reconhecido o cabimento de danos morais nos casos em que o consumidor é exposto a risco concreto, ainda que não tenha efetivamente ingerido o produto. A lógica que orienta tais decisões repousa no entendimento de que o dano moral, nesses casos, não se vincula a um prejuízo físico comprovado, mas à violação da confiança, à insegurança gerada pela conduta ilícita e à frustração de um direito fundamental: consumir com segurança e dignidade.
Diante disso, é fundamental que o consumidor atue como protagonista da defesa de seus próprios direitos, denunciando irregularidades aos órgãos competentes, exigindo a reparação de eventuais prejuízos e recusando-se a naturalizar práticas que colocam em risco sua saúde e sua dignidade.
Autor