Resiliência: como interpretá-la?
Nas definições de resiliência é possível notar certas variações de significado que exercem papel fundamental na compreensão desse atributo tão relevante para a vida humana.
Para começar, a resiliência pode ser pensada como uma qualidade que permite superar eventos negativos. Aqui o que se destaca é a ideia de que o indivíduo vence a dificuldade, revelando-se superior a ela. Parece produtivo incrementar tal concepção, contudo, entendendo a resiliência como uma disposição humana para a aprendizagem na adversidade, apesar da adversidade ou mesmo por causa dela. Agora não está em jogo apenas o ato de vencer ou dominar a experiência negativa, mas sair dela com ganhos morais ou psicológicos. Para exemplificar a diferença de matiz entrevista nas duas noções: é possível superar uma crise financeira sem necessariamente sair dela mais forte ou maduro.
Mas não seria também o caso de considerar a existência de situações particularmente hostis, miseráveis ou hediondas, às vezes irrevogáveis, que não são propriamente vencidas, mas suportadas? Existem dores com as quais se convive até o último dia. Admitir isso e enfrentá-lo pode ser estimado também como uma forma de sabedoria. Talvez aqui não se trate exatamente de vencer, mas de, um pouco mais modestamente, não sucumbir àquilo que destrói. Num mundo em que o discurso da vitória se mostra tantas vezes frívolo e perverso, em que a superação é fetiche e o fracasso é tabu, torna-se imperioso chamar a atenção para o aspecto processual e humano da resiliência, para o que ela tem de limitado e descontínuo. Em outras palavras, é especialmente válida a concepção de resiliência como espírito combativo e capacidade de enfrentamento, de maneira que fica enfatizado não tanto o resultado, quanto o processo, com os inevitáveis altos e baixos. Manifestar resiliência é insistir na luta. Lamentar a escuridão, mas também procurar, por alguma via, acender uma luz.
Posto tudo isso, a ideia de resiliência como habilidade de adaptação à vida só se torna adequada se se concebe tal adaptação como incomodada, questionadora e construtiva. Como seria uma pessoa bem adaptada a uma sociedade que se apresenta, em muito, como sombriamente consumista, materialista, desigual e competitiva? Se resiliência é característica positiva, implica sentimento de desadaptação, confronto, ainda que silencioso e anônimo, com os males que nos sufocam.
Não nos esqueçamos de dispensar individualismos ingênuos e nocivos: resiliência é dependente de fatores ambientais, intrapessoais e sociais. Ninguém demonstra resiliência simplesmente porque nasceu com tal atributo. Ninguém se faz resiliente sozinho. Não por acaso, para que os discursos institucionais de valorização da resiliência – provenham eles dos campos educacionais, científicos, políticos, religiosos ou familiares – não se exibam como tagarelice sentimental vazia, ideológica, é imprescindível aliá-los a práticas e políticas públicas que incentivem a percepção e a vivência de vínculos coletivos solidários.
Giselle Bueno
Doutora em Letras e docente da UniPaulistana
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