Rejeição, vírus mortal

A rejeição a candidato pode ser fatal. E o pleito deste ano mostra que os dois candidatos com mais chance de chegar ao segundo turno – Lula e Bolsonaro – têm altos índices de rejeição, o petista em torno de 40% e o presidente perto de 60%. Pesquisa recente da Quaest. 

Quando um candidato registra um índice de rejeição maior que a taxa de intenção de voto, é prudente providenciar a ambulância para entrar na UTI eleitoral. Caso contrário, morrerá nas primeiras semanas do 2º turno. A rejeição é uma predisposição negativa que o eleitor adquire e conserva em relação aos perfis. 

Para compreendê-la, é compreender suas razões. A equação aceitação/ rejeição se fundamenta na reação emotiva de interesse/desinteresse, simpatia/antipatia, que Pavlov chama de reflexo de orientação. A rejeição tem uma intensidade que varia de candidato para candidato. 

Em São Paulo, Paulo Maluf e Orestes Quércia são inseridos na moldura de alta rejeição, resultante do estigma de corrupção com que foram brindados ao longo de décadas. Quércia, em 1990, foi amarrado ao conceito: “quebramos o Banespa, mas elegeremos o Luiz Antônio Fleury.” Frase que ele e o próprio Fleury sempre negaram ter sido feita. Mas o lema pegou. 

Maluf passou a administrar a rejeição depois de muito esforço. Tentou mudar comportamentos, tornou-se menos arrogante, deixou o nariz menos arrebitado, descendo-o para uma posição de humildade e começando a conversar humildemente com todos. Mas a voz anasalada o prendia na cadeia da antipatia. 

Erros e rejeições de adversários contribuíram para atenuar a predisposição negativa contra ele, purgando-se, então, por pecados de outros. “Ruim por ruim, vou votar em mim”, lema de Tiririca (PL-SP) para agarrar os eleitores. Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a determinados candidatos se soma ao familismo. Em alguns Estados, sobrenomes tradicionais acabam saturando perfis. 

Em quase todas as regiões, há altos índices de rejeição, comprovando que os eleitores, mais racionais e críticos, querem passar uma borracha em domínios perpetuados. O voto, mesmo de maneira lenta, sobe do coração para a cabeça. 

A rejeição pode ser atenuada, quando o candidato vai à fundo nas causas que corroem seu nome. Pesquisas qualitativas indicam certos fatores: atitudes, jeito de encarar o eleitor, oportunismo, mandonismo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, compra do voto, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com demandas sociais. 

Não se equaciona a rejeição da noite para o dia. Quando o candidato demonstra muita pressa para diminuí-la ou entra na malha do populismo, a atitude será percebida. Nesse caso, pode ocorrer bumerangue, a ação se voltando contra o populista.  Ganha força a predisposição contra ele. 

Trabalhar com a verdade, eis um ponto-chave para diminuir a rejeição. O eleitor distingue factoides de fatos políticos, boas de más intenções, propostas sérias de coisas mirabolantes. 

A rejeição de Luiz Inácio e Jair Bolsonaro tem causas conhecidas. Lula leva consigo a imagem da divisão no País, pobres contra ricos, a luta de classes, Nós contra Eles. Por mais que tente escorregar, hoje, para chegar ao centro do corrimão, continua causando medo. O temor de que possa alterar as regras de nossa democracia. O petismo ainda não se livrou da carga pesada de ter erigido uma “catedral ética”, desmoronada com as águas da Operação Lava Jato. 

Bolsonaro carrega a identidade da direita radical, ameaçando se escudar nas forças armadas para assegurar o poder por anos a fio. O autoritarismo por ele encarnado se faz presente na expressão virulenta com que atira contra adversários, manchando a liturgia governamental e emporcalhando a imagem das instituições. Exemplo foi esse encontro com embaixadores, no Palácio da Alvorada, para escrachar as urnas eletrônicas e denunciar, sem provas, a fraude nas eleições brasileiras. São ações destemperadas para mobilizar as bases. 

Menos de 70 dias para o pleito serão suficientes para diminuir a rejeição? Um terceiro nome poderia se viabilizar? O eleitor deixará de votar ou votará em branco caso não tenha opção? P.S. É possível o registro de abstenção, votos brancos e nulos ultrapassando a casa dos 30%. A conferir. 

 

Gaudêncio Torquato 

Jornalista, escritor, professor titular da USP e consultor político

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Artigos de colaboradores e leitores de O Regional.