Reino dos Céus
Boa parte das opiniões, crenças e valores que defendemos é fruto de herança, e não de construção. Em outras palavras: o ambiente em que nascemos e crescemos estabelece os parâmetros básicos de nossa visão de mundo, que tendem a limitar nossos pensamentos, sentimentos e ações.
Se fomos criados em um ambiente religioso, existe uma tendência de que sejamos religiosos. Se experimentamos muita violência na infância, é bastante provável que manifestemos comportamentos violentos durante nossas existências. Se desde cedo passamos por experiências de consideração e carinho por animais, é quase certo que o amor por eles marcará as nossas vidas. E assim por diante, as cores que adornarem as experiências na infância e juventude marcarão o enredo das condutas na maturidade.
Mas não somos apenas o resultado das experiências pretéritas. Somos também as escolhas que fazemos no presente. E é por isso que o nosso futuro é o resultado não apenas da semeadura (passado), mas também dos cuidados que dedicamos à semente (presente). Sim. O que somos não está pronto, não é uma obra acabada. Estamos em construção, em processo. Daí porque podemos (e às vezes devemos) questionar a nossa maneira de ver as coisas, para examinar se ela decorre de reflexão própria ou da adoção não refletida de ideias alheias.
Boa parte de nós acha que trabalhar é ruim. Isso é compreensível em parte porque historicamente houve épocas em que o labor foi relacionado a situações de “inferioridade”, inclusive de escravidão. E muitos ainda hoje acreditam que as pessoas que estão em condições econômicas mais favoráveis são melhores que aquelas que enfrentam dificuldades materiais!...Mas nós sabemos que isso não é verdade.
Há inclusive a proposta religiosa contrária, segundo a qual dificilmente um rico entraria no reino dos céus, o que levaria a crer que os pobres seriam melhores…Provavelmente nenhuma dessas interpretações seja a correta, visto que não se pode qualificar o ser humano por atributos externos (o que ele tem), mas pela sua condição interna (o que ele é).
Trabalho é a aplicação de esforços para produção de certos resultados. Normalmente pensamos que apenas os humanos trabalham, mas isso não é verdade, pois o Universo está em constante atividade de criação e transformação das realidades – trabalho, portanto. Os animais fazem de suas existências a permanente ação pela manutenção e defesa de suas vidas, e algumas espécies – como abelhas e formigas – assemelham-se aos operários, porque se mantêm em constante atividade produtiva altamente organizada.
O trabalho é, portanto, uma regra da Natureza, para manutenção – e evolução - das variadas manifestações da vida. Como a espécie humana é naturalmente gregária, ou seja, ela vive necessariamente em coletividade, trabalhar é contribuir individualmente para o bem de todos. A somatória dos atributos e capacidades individuais é o que viabiliza em tese o atendimento das necessidades de todos. Daí porque o trabalho, além de ser uma contribuição, é uma necessidade.
É verdade que o trabalho dignifica e enobrece o ser humano. Mas, de todas as formas de trabalho humano, a mais nobre é o voluntário, porque ele é prestado de forma desinteressada, visando gerar benefícios a outras pessoas. Por outro lado, quando tem a oportunidade de, voluntariamente, fazer algo em favor de quem precisa de ajuda, ela passa pela experiência momentânea de plenitude e de pertencimento, que provavelmente é uma prévia do que alguns chamam de “reino dos céus”.
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