Refúgio amoroso

Um sonho não realizado, a viagem tão desejada ou a lembrança deliciosa de tempos antigos são imagens que apaziguam a alma inquieta. E quem nunca as nutriu? Também há pessoas que se tornam uma espécie de refúgio em nossas vidas porque suscitam sensações tão prazerosas que precisamos delas para suportar as dificuldades e carências. Mas é muito comum encontrar mulheres e homens que, diante de uma instabilidade emocional ou de uma relação afetiva comprometida, iniciam um processo de idealização com os protagonistas, geralmente pessoas conhecidas, do passado ou não. Compensam a falta de afeto com fantasias sobre um amor não vivido e que poderia ter sido o mais bem realizado. Recordam-se de um antigo namorado e com ele criam histórias que seriam plenas de satisfação infinita, sem defeitos, mágoas ou ressentimentos. Quando o sofrimento, o medo e a angústia os tomam de assalto e os paralisam, impedindo-os de agir diante de determinados conflitos e mudar de atitude, a criação de uma imagem idealizada, imaculada, serve para enganar a mente, atrair a tenção para outro foco.

No entanto, embora mascarada e irreal, a ação de refugiar-se na fantasia permite crer em algo positivo, que pode tornar-se realidade ou que assim já foi, e isso já é um passo importante para que a pessoa reconheça em si a possibilidade de ser feliz. Há quem, inclusive, construa um pensamento fictício como motivação para vencer obstáculos, conquistar metas, reforçar a auto estima, como emagrecer para ser notado pela pessoa e conquistá-la.

O difícil é reconhecer o limite entre a fantasia como recurso saudável e como sintoma de adoecimento psíquico. A imaginação comum da criança, que chamamos de “pensamento mágico” – faz crer na concretização de tudo que se deseja, sem obstáculos ou prejuízos – encontra na adolescência a personificação dos primeiros e idolatrados amores, geralmente os inalcançáveis astros da música, cinema, televisão ou mesmo os mestres da escola, mais próximos e acessíveis. Com eles, os jovens devaneiam e preenchem por um determinado tempo o lugar a ser ocupado futuramente pelo primeiro namorado. Este geralmente é o que mais recebe as expectativas do amor ideal e talvez por isso seja o mais significativamente lembrado.

Mas nem só de recordações e sonhos vive nossa mente aflita. Há imagens reais, presentes e próximas, que nos ocupam durante a vigília, acenando com um momento futuro de prazer que nos ajuda a enfrentar um dia chato e cheio de problemas. Seria o encontro com aquele amigo para um cineminha, para a viagem à praia ou sítio. É a gostosa sensação de saber que logo poderemos encontrar nosso par amoroso, recostar-nos em seu ombro, ser por ele abraçado e nele abrigar-nos de nossas aflições. São pessoas com quem temos tanta liberdade que a sensação é de “voltar para casa”, mesmo que esteja muito longe dela.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp