Reforma tributária: regras e exceções
Como muitos sabem, desde o início de minha trajetória profissional lido com tributos. Na maioria dos casos, com tributos municipais. Acompanhei, inclusive, o surgimento do Simples Nacional, tendo a honra de participar do primeiro estudo sobre os impactos daquele sistema nas finanças dos municípios brasileiros, publicado num domingo, 24 de agosto de 2008, no Jornal de circulação nacional “O Globo”¹.
Já naquela época com o advento do Simples, o Brasil foi surpreendido com uma grata surpresa: a simplificação aumentou a arrecadação!
Quando do lançamento daquele novo regime tributário, visões míopes de pessimistas focados pontualmente em algumas diminuições de alíquotas necessárias à padronização nacional, previam uma forte queda de arrecadações, principalmente para estados e municípios (exatamente como ocorre hoje). Previsões estas, que não se concretizaram.
Nesse momento, em 2023, felizmente, estamos diante de uma chance de ouro: implantar a mais profunda reforma tributária que o país já tenha passado desde antes da redemocratização. E isso não é pouca coisa!
Somos um dos países no mundo em que mais se gasta com o pagamento de tributos. E não estamos dizendo somente do dinheiro que vai para o governo e, sim, do enorme volume gasto para decifrar o emaranhado de leis existentes, para se defender dos inúmeros entendimentos das diferentes autoridades fiscais, para alimentar os diversos sistemas (informatizados ou não) mensalmente, para produzir os intermináveis relatórios, para gerar as guias e para, finalmente, conseguir pagar os tributos. Isso sem contar a necessidade recorrente em contratar advogados especializados em casos específicos e o fato de que, muitas vezes, algumas guias geradas somente são pagas em determinados bancos. Uma aberração!
Em se tratando do número excessivo de tributos, levantamento do Portal Tributário no ano de 2020 identificou a existência no Brasil de 92 tributos², sendo que, a reforma que tramita entre os parlamentares tem como foco principal “acabar” com “apenas” 5 (cinco) - IPI, PIS e Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal).
No entanto, a tentativa é muito válida! Apenas para se ter uma ideia, o RIMCS - Regulamento do ICMS no Estado de São Paulo, tem 607 artigos no texto inicial e 37 artigos nas disposições transitórias, fora os anexos, comunicados, portarias e resoluções que complementam esse verdadeiro emaranhado legal referente a apenas 1 (um tributo) de 1 (um) dos estados brasileiros – temos outros 26 incluindo o Distrito Federal.
Estudo recente do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, afirma que o Brasil produziu mais de 300.000 normas tributárias desde a promulgação da Constituição. Foram mais de 30.000 normas no âmbito federal, mais de 96.000 estaduais e mais de 193.000 municipais³.
É humanamente impossível alguém entender e dominar todas essas regras. É óbvio que isso precisa acabar! Atualmente, inclusive, podemos arriscar em dizer que o descumprimento da legislação vigente é uma consequência quase inevitável do extremo excesso legal e da falta de consonância do próprio sistema! Qual empresário nunca se sentiu assediado e ao mesmo tempo ressabiado pela possibilidade de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e do Cofins?
Entretanto, para o sucesso da reforma, nossos nobres parlamentares têm que ter em mente o foco em reduzir, restringir, simplificar e não possibilitar brechas. Movimentos como o que resultou na permissão da instituição de contribuição sobre produtos primários e semielaborados (artigo nº 20 da proposta aprovada pela Câmara dos Deputados) pode ser um precedente desastroso. Frise-se: temos 92 espécies tributárias no Brasil e no cerne da reforma estamos apenas dando importância para unificar 5. Caso nada de diferente seja feito, sobrarão, após 1ª etapa da reforma, 87 espécies tributárias e uma capacidade enorme para a atividade legislativo-tributária criativa que sufoca tanto o empresário como o cidadão.
Será que nossos parlamentares estão se esquecendo da 1) Taxa de Iluminação Pública (constitucionalizada através da Emenda Constitucional que instituiu a CIP – Contribuição sobre a Iluminação Pública); 2) Taxa de Preservação Ambiental cobrada, por exemplo, para turistas em Fernando de Noronha e outros municípios; 3) Taxa de Coleta Remoção e Tratamento ou Destinação de Lixo ou Resíduos; 4) das Taxas de Licença para Pesca cobradas tanto por estados e também pela União (que são difícil até de identificar quais estados cobram e quais não); 5) das Taxas de Fiscalização de Publicidades; 6) das Taxas para Aprovação de Projetos de Engenharia; 7) das Taxas de Expediente ainda cobradas por muitos órgãos / instituições apenas para realizarem o protocolo de documentos; 8) das Contribuições de Melhorias cobradas pela valorização de imóveis decorrentes de Obras Públicas; 9) das Contribuições Previdenciárias; 10) das Contribuições ao Sistema “S” – Sesi, Senac, Senai, Sesc, Sest, Senar, Senat, etc.; 11) da Taxa para Licenciamento de Veículos Automotores; 12) do DPVAT – Seguro Obrigatório para Veículos Automotores (contribuição parafiscal); 13) IPTU; 14) IPVA; 15) ITBI; 16) ITCMD; 17) FGTS; 18) IOF; 19) IE – Imposto sobre Exportação; 20) II – Imposto sobre Importação; 21) Imposto de Renda; etc., etc., etc. Reparem que, sem nenhuma dificuldade, enumeramos mais de 20 cobranças compulsórias do governo sem muito esforço.
Nesse sentido, mais uma vez, rogamos por uma reforma que seja totalmente restritiva e disruptiva. Por exemplo, não seria o caso de proibir a criação de Taxas para custear o poder de polícia e determinar que esta atividade tipicamente estatal deverá ser custeada pelo IVA – Imposto sobre Valor Adicionado (o qual, neste momento, já se aceita ser desmembrado em 2: a CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços e o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços)?
Torcemos que para que nossos parlamentares estejam focados em criar regras claras, enxutas e que, de verdade, simplifiquem o sistema. Nesse momento, se preocupar em inserir exceções é o mesmo que fazer o que vem sendo feito há 50 anos. Nada de novo, nem de reforma.
¹Reportagem com o título “Cidades são as maiores beneficiárias”, sessão “Economia”, página 36. Cópia da matéria pode ser acessada em site76248.hospedagemdesites.ws, acesso em 11-07-23.
²https://www.portaltributario.com.br/tributos.htm, acesso em 11-07-23
³ibpt.com.br/brasil-cria-em-media-46-novas-regras-de-tributos-a-cada-dia-util, acesso em 11-07-23.
Fabio Rinaldi Manzano
Administrador público e advogado, mestre pela Universidade Católica Argentina, membro do Grupo de Excelência em Gestão Pública do CRA/SP e diretor da ACE de Catanduva
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