Rasgando o passado

Há gestos que não se explicam apenas com palavras — eles vêm de uma dor que transborda a razão. Um deles é o ato de rasgar os álbuns de fotografias após o fim de um relacionamento. Para quem observa de fora, pode parecer impulso, exagero ou desequilíbrio. Mas para quem sente, é um grito silencioso de luto, de rompimento e, muitas vezes, de libertação.

As fotos guardam memórias. Registram sorrisos, viagens, conquistas, aniversários, nascimentos, casamentos. Mas também aprisionam momentos que, com o tempo, revelam-se enganosos ou dolorosos. Quando um relacionamento termina — especialmente um marcado por desrespeito, violência emocional ou traição — aquelas imagens podem se tornar insuportáveis. O álbum que antes narrava uma história de amor passa a ser um retrato de ilusões, perdas e feridas abertas.

Rasgar essas páginas pode ser um ato simbólico de recomeço. Uma tentativa de apagar não a história vivida, mas o peso que ela ainda impõe. É como se, ao rasgar a fotografia, a pessoa dissesse: “Eu não aceito mais viver sob essa sombra”. Há dignidade em reconhecer o que machucou e coragem em escolher seguir sem carregar lembranças que paralisam.

Não se trata de negar o passado, mas de afirmar o direito ao futuro. Cada pessoa tem o seu tempo e o seu modo de elaborar o fim. Algumas guardam tudo em caixas, outras doam, outras queimam, outras choram em silêncio — e há aquelas que rasgam. Nenhuma atitude é superior à outra. Cada uma expressa o quanto somos humanos diante da dor.

O mais importante é compreender que a reconstrução de si mesma começa, muitas vezes, nesses gestos aparentemente pequenos, mas profundamente simbólicos. Rasgar um álbum pode ser o início de um novo capítulo: sem mentiras, sem máscaras, sem as fotos que disfarçavam a verdade.

Porque o que realmente importa é o álbum que ainda está por vir — aquele que você construirá com mais verdade, mais cuidado e, principalmente, com mais amor por si mesmo (a).

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp