Raízes no Inferno, Galhos no Céu
Carl Gustav Jung, o pai da psicologia analítica, uma vez escreveu: “Qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos.” Esta frase, provocativa e bela, não fala apenas da psique humana — fala da própria vida.
Vivemos tempos em que se espera florescer sem ter enfrentado as tempestades. Mas é no chão escuro da dor, da perda, da angústia ou do desespero que as raízes da nossa existência se aprofundam. É preciso ir ao fundo — tocar a sombra — para então ter a força de crescer em direção à luz.
Quantas vezes vemos alguém admirável, equilibrado, generoso, amoroso... e mal imaginamos que por trás de tanta grandeza há uma história de sofrimento? São pessoas que não negaram suas feridas, mas as aceitaram e as curaram — não com indiferença, mas com coragem e compaixão.
No inferno simbólico de cada um — aquele lugar onde se chorou sozinho, onde o chão desapareceu, onde os sonhos se quebraram — é também onde se cava o sentido. A dor que não se transforma em aprendizado, adoece. Mas a dor que se encara, se integra e se transcende... vira sabedoria.
Na clínica psicológica e na escuta sensível do voluntariado, vejo isso todos os dias: quem perdeu alguém, quem sobreviveu à depressão, quem foi traído, abandonado, ou se sentiu perdido. São almas que desceram ao próprio abismo. E, um dia, com ajuda ou com fé, começaram a subir.
Essa frase de Jung não romantiza o sofrimento. Ela revela que não se constrói uma vida forte e luminosa apenas com experiências agradáveis. O crescimento verdadeiro não é linear nem limpo — ele é cheio de quedas, voltas e recomeços.
Estamos acostumados a cortar os galhos tortos da nossa história. Jung, ao contrário, nos convida a cuidar da raiz. A ir ao lugar onde tudo começou. A entender que não há céu sem inferno, não há vida plena sem o enfrentamento da dor.
É preciso aprender a respeitar os processos: o da queda, o do silêncio, o da cura. E ter paciência com o tempo que uma árvore leva para crescer.
Quando você vir alguém que parece tocar o céu — com sua paz, seu sorriso, sua sabedoria — lembre-se: talvez essa árvore tenha raízes muito profundas. Talvez ela tenha conhecido o inferno, mas escolheu florescer mesmo assim.
E que lição isso nos deixa? Que não devemos ter vergonha das nossas dores, nem medo da escuridão interior. Porque é justamente ao aceitá-la que nos tornamos mais humanos. E, assim, mais próximos do sagrado.
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