Raiz, radícula, raizona
Um grande amigo, também amante da música, queixou-se comigo de que não escrevo sobre música caipira. Nem me atrevo! Não gosto de opinar sobre aquilo que não conheço a fundo. Mas não me furto a contar sobre o que vivi com este gênero musical.
Em Andradina, minha terra natal, eu raramente ouvia. Mesmo porque até a década de 1980, a música caipira era relegada aos horários da madrugada nas emissoras de rádio. Na televisão, era algo incomum. As duplas caipiras se apresentavam em circos. Por isso eu as conhecia muito pouco. Talvez alguma coisa de Tonico e Tinoco, Zilo e Zalo, Alvarenga e Ranchinho, Tião Carreiro e Pardinho. O figurino das duplas consistia em usar roupas parecidas, do tipo calça rancheira, camisa xadrez e chapéu.
Nesta época, soube de dois fenômenos que iniciaram uma grande transformação no gênero. O primeiro foi uma dupla chamada Leo Canhoto e Robertinho. Tinham cometido uma heresia. Foram pioneiros na utilização de contrabaixos, teclados e guitarras, revolucionando a música sertaneja, quando só eram usadas a viola e violão. Também inovaram na aparência, usando óculos escuros, cabelos compridos e roupas extravagantes. O segundo fenômeno foi com o cantor paulistano da Jovem Guarda, Sérgio Reis. Seu maior sucesso tinha sido até 1972 a balada “Coração de Papel”. Com o fim do movimento, ele migrou para a música sertaneja. Atenuou o estilo, e de certa forma urbanizou as músicas, tornando-as palatáveis para um público que não tinha nenhuma relação com o universo caipira.
Só fui conhecer um pouco mais do ramo quando entrei na faculdade, no ano de 1982. Aqui na região, várias rádios tocavam música caipira em horário comercial. Também aqui eu soube de outra ruptura. A dupla Chitãozinho e Xororó foi a primeira a cantar no Palace (1989), casa de shows onde só artistas internacionais e da MPB cantavam. Foi também a primeira a se popularizar na televisão. 15 anos depois, duas duplas, os irmãos, Cesar Menotti e Fabiano e João Bosco e Vinícius, inaugurariam uma nova vertente: o sertanejo universitário, que perdura até hoje.
Como se fosse um sinal de que não dá muito certo comigo, recentemente, em conversa com estudantes, estes falavam sobre o conceito de música “raiz” ou “modão”. Citavam como exemplo Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo. Senti-me um velho, afinal, vi todos eles surgirem. Comentei sobre minha estranheza pois para mim, “raiz” era algo como Tonico e Tinoco. Eles se entreolharam e me responderam que isto era muito pré-histórico. Senti-me um dinossauro! Talvez seja por isso mesmo que eu não escreva sobre o assunto.
Autor