Quem é, afinal, o usuário de drogas?

Se você acredita que só pessoas frágeis ou problemáticas estão expostas à sedução das drogas, com certeza está esquecendo a dificuldade que todos temos para nos livrar de comportamentos inadequados, quando esses são prazerosos. Da mesma forma que um dependente químico não consegue se libertar do vício, nós também persistimos em hábitos e atitudes sabidamente prejudiciais.

É fácil encontrar exemplos: um regime para emagrecer requer muito esforço – e é difícil ser bem-sucedido na primeira tentativa; uma relação amorosa complicada e sem futuro pode aprisionar por muito tempo até pessoas amadurecidas e equilibradas; alguns profissionais competentes deixam-se mofar em empregos desinteressantes e sem perspectivas, seduzidos por uma ilusão de segurança. Não é preciso alongar essa lista: que cada um tenha a coragem de procurar dentro de si a forma que toma a sua droga particular, seja ela uma pessoa, um lugar ou uma atitude.

Esses exemplos mostram que qualquer um de nós possui a estrutura emocional necessária para desenvolver uma dependência, e que consciência e força de vontade não são suficientes para garantir que se tome o caminho do bem.

O trabalho de prevenção do uso de drogas, sobretudo junto a adolescentes, exige a humildade de reconhecer que essa fragilidade faz parte do repertório humano. Quem acredita que o viciado é um pervertido, um doente mental ou um pecador não pode ser um educador eficiente, pois, diante do caso concreto de um jovem com esse tipo de problema, será incapaz de tomar as medidas adequadas: o mais provável é que procure livrar-se da “encrenca”, expulsando o aluno ou recomendando sua internação, em casos em que isso não seria absolutamente indicado.

Mas, se é verdade que o viciado em drogas tem as mesmas características que você, eu, nossos filhos e sobrinhos, também é verdade que muitos de nós conseguem evitar esse tipo de experiencia. O que nos terá livrado desse grilhão? Por que, apesar de ter todas as condições para se tornar um usuário de drogas, escapamos dessa armadilha?

Ao se fazer a pergunta, você talvez encontre a figura de um adulto especialmente marcante, que o ajudou a fazer escolhas mais adequadas, ou perceba que, na época em que seus colegas e amigos experimentavam drogas, você estava envolvido em uma grande paixão ou tinha um interesse intenso e profundo por uma causa ou atividade.

Essas experiencias não derivam de ouvir sermões moralistas nem são arquitetadas por palestras edificantes – que mais mobilizam angústias do que preparam para a ação. Para vive-las, é preciso estar curiosos e alerta, aberto para as surpresas do inesperado – com os riscos inerentes a essas experiencias. Mas não se vive sem correr riscos.

Autor

Ivete Marques de Oliveira
Psicóloga clínica, pós-graduada em Terapia Cognitivo Comportamental pela Famerp