Que a morte nos encontre vivos
Outro dia li um relato de uma pessoa que não conheço, e confesso que foi extremamente positivo para mim.
Ela contava que indo a caminho da escola dos filhos tinha que passar por um cemitério, e um dia, aproveitando o sol, observou as cores das folhas e flores e que o lugar lhe trazia um sentimento de paz. Disse que às vezes se demorava neste caminho e que o frequentar lhe dava a sensação de que o relógio estava mais lento, assim como a lembrança que um dia iria morrer, e o quanto isto lhe fazia bem diante da certeza da finitude, tudo se revitalizava dentro dela. Os problemas diminuíam de tamanho a fazendo lembrar do quanto somos pequenos diante de um mundo que é grande. Ela ainda dizia: a vida é de morrer de tão bela.
Esta pessoa nem sabe o bem que me fez lembrar do quanto somos pequenos diante de um mundo grande, e o quanto seu relato me provocou pensar que, ter a lembrança da morte, nos dá uma visão mais focada das coisas, e penso eu, diminui o estrelismo, a arrogância e onipotência.
Sempre fico pensando no quanto considera-la nos ajuda a pensar como vamos construindo a própria vida, uma medida importante que nos dá um chão sem ilusões.
No texto de Freud “O futuro de uma ilusão”, 1927 ele expõe sua visão crítica sobre a religião argumentando que as crenças religiosas seriam ilusões e projeções que derivam dos desejos e temores humanos dizendo que a escolha em seguir uma religião se dá por meio de uma projeção do complexo de édipo que acontece por conta do desamparo sentido pelo homem que se vê à mercê da morte, das forças naturais e das lutas criadas pela humanidade, e por conta disso, encontra na figura divina seu desejo infantil por um pai que o proteja.
Não pretendo aqui fazer uma leitura de julgamento e nem defender ou atacar nenhuma religião, mas me encanta pensar que toda realidade nos convoca a pensar no desamparo como ponto de partida.
Observando como as pessoas se comportam diante de suas crenças e o quanto se identificam com alguém que está fora e com poderes, esquecendo que o início de tudo está dentro e acontece quando somos capazes de olhar as próprias atitudes, me convenço no quanto o tamanho do desamparo norteia nossas escolhas.
Frequentemente observo uma necessidade exagerada das pessoas se movimentarem diante de suas escolhas defendendo o seu mantra sem reportar dentro o próprio vicio, se prevalecendo diante do outro ao transmitir sua novidade como um “elixir” único de existências.
Às vezes me pego pensando o quanto tudo é existente desde sempre e o quanto somos desamparados à procura de algo que está fora, buscando respostas que nunca irão suprir os desconfortos que sentimos, apenas a partir deste desconforto constataremos um não saber que é capaz de transmitir o próprio caminho que vem acompanhado pela experiência individual de vulnerabilidade, um pântano nebuloso que nos atinge na continuidade de não respostas que encontramos em nossas vidas e que inclui não ter a certeza de nada, e mesmo assim, assumindo desconfortos que sentimos em situações cotidianas.
Conviver com experiências sem respostas facilita encontrar sentido nas coisas, porque quase sempre, falará de vida comum, de relatos cotidianos e de nós mesmos.
Ao ler aquele relato me lembrei que a vida e a morte se conversam o tempo todo, é nós que esquecemos disto.
Música “Corra e Olhe o Céu” com Cartola.
Foto do acervo @adrianamagalhaesrocha
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